Nívio Ziviani conta o tamanho da montanha para empreender no Brasil
Planeta COPPE / Notícias
Data: 21/08/2018
Em palestra realizada na Coppe/UFRJ, no dia 15 de agosto, o Professor Emérito da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Nívio Ziviani, contou ao público presente sobre a “montanha” que precisou escalar para se tornar um bem-sucedido empreendedor no sistema universitário brasileiro. Uma fonte de inspiração para alunos, pesquisadores e colegas docentes interessados em trilhar o caminho do empreendedorismo pela vertente da inovação tecnológica.
A experiência de Ziviani como empreendedor, ao criar as startups Miner, Akwan e Neemu, foi fundamental para que a UFMG desenvolvessem um arcabouço normativo, então inédito no país, que permite a transferência dos direitos de comercialização para uma empresa startup de produtos gerados pelo conhecimento produzido na Universidade. “A experiência da UFMG levou à criação de uma peça jurídica que conferiu maior autonomia às startups que nascem na universidade, preservando, no entanto, os direitos da instituição enquanto acionista da empresa constituída como S.A (Sociedade Anônima). Esse modelo é parecido com o que é usado pelo MIT, e deu segurança jurídica àquilo que eu já fazia, ‘na pancadaria’”, explicou. O modelo da federal mineira inspirou muitos dos artigos que hoje compõem o Marco Legal da Ciência, Tecnologia e Inovação.
Ziviani destacou que, nos últimos 20 anos, a produção científica brasileira passou de 1,2% para 2,7% da produção científica mundial, mas algumas distorções permanecem. “Os Estados Unidos têm cerca de 1.400.000 pesquisadores, 80% dos quais trabalham na indústria. A Coréia do Sul tem 260 mil pesquisadores, 75% deles trabalhando na indústria. O Brasil, por sua vez, tem 230 mil cientistas, mas apenas 18% atuam no setor industrial”, criticou Ziviani.
Para o professor da UFMG, o problema não é falta de recursos e sim direcionamento dos mesmos para a inovação e o empreendedorismo. “Há crédito de sobra para as maiores empresas nacionais, mas não há uma preocupação em pulverizar recursos para as startups. O BNDES agora está começando a fazer algo nesta direção. Temos que parar de financiar porto em Cuba e realmente pulverizar recursos para a geração de riqueza e empregos”.
Segundo o palestrante, nos EUA surgem entre 600 e 800 startups por ano no ambiente universitário. São projetos dirigidos por pesquisadores, financiados com dinheiro público, e orientados pelo processo de transferência de know how pela universidade. Como exemplos do potencial de geração de riqueza no fomento ao empreendedorismo universitário, Ziviani citou duas instituições: o Massachussets Institute of Technology (MIT) e a Universidade de Stanford. Na primeira, foram geradas 25.800 empresas nativas, responsáveis pelos empregos de 3.300.000 pessoas e que perfazem US$ 1,8 trilhão de faturamento anual. A partir de Stanford, foram criadas algumas das mais valiosas empresas do mundo: Google (720 bilhões de dólares em valor de mercado); Cisco (207 bilhões); Instagram (50 bilhões) e Hewlett-Packard (36 bilhões).
Questionado sobre a formação que a universidade deve oferecer em um cenário de tecnologias disruptivas, Ziviani defendeu que as universidades preparem os jovens para humanidades, artes, esportes ou o que se chama de “software skills”. Ou seja, para aquilo que os sistemas automatizados não fazem. “Tudo que tiver repetição, o robô vai fazer, ou já faz, melhor que o ser humano”, avaliou Ziviani, que defendeu que a universidade pública não se contente apenas com a formação profissional. “Temos que parar de pensar que nossa única função é formar recursos humanos. Nós somos pagos com dinheiro público e temos o dever de transformar conhecimento em riqueza, por meio da inovação. É uma vergonha não fazermos isso na escala que deveríamos”.
“É melhor não contar o tamanho da montanha”
O vice-diretor da Coppe, professor Romildo Toledo, perguntou ao palestrante como dar o “passo adiante” para que a UFRJ tenha um ecossistema de inovação mais robusto. “O Marco Legal hoje nos dá segurança, temos o ambiente, com o Parque Tecnológico e a Incubadora de Empresas, temos ótimos alunos, está tudo na nossa mão, mas não é simples fazer virar realidade. Já incubamos mais de 100 empresas, temos mais de 30 empresas nativas. Temos alguma experiência, mas ainda é algo tímido”, avaliou o professor Romildo.
O professor Nivio Ziviani destacou que é preciso convencer as instâncias decisórias acerca da importância que o fomento às empresas de base tecnológica tem para o país. “Nós formamos doutores com dinheiro público suado e eles vão criar riqueza nos Estados Unidos. Fomos ao gabinete do reitor, explicamos a necessidade, que o processo seria feito pela fundação e teria repasse dos dividendos para a universidade”, relatou.
Consciente de que a dificuldade do desafio pode inibir aqueles que têm potencial para superá-lo, Ziviani brincou: “É melhor não contar para os meninos o tamanho da montanha. Se contar, eles vão pensar que não têm a menor chance de subir, mas se não souberem tem uns que vão conseguir”.
Vencendo novos desafios com Inteligência Artificial
Professor de Ciência da Computação, Ziviani é cofundador das empresas Miner, vendida para o Grupo Folha/UOL em 1999; Akwan, vendida para a Google Inc. em 2005, e Neemu, vendida para a Linx em 2015. O sucesso nos empreendimentos o motivou para mais uma cartada: a empresa Kunumi, criada em 2016, cujo Conselho Tecnológico preside, e que busca ligar o mundo empresarial aos avanços da inteligência artificial.
Ziviani destacou que as negociações foram positivas para os engenheiros formados pela UFMG. “Se você for ao UOL hoje, a empresa está lotada de mineiros. A pessoa que está por trás do PagSeguro (uma das empresas líderes no mercado de pagamento eletrônico) fez mestrado na UFMG. A Google comprou a Akwan em julho de 2005, contratou todos os funcionários e criou um Centro de Pesquisa e Desenvolvimento em Belo Horizonte”.
Surfando ondas
“Eu tive a oportunidade de surfar três grandes ondas: Metabusca (na década de 1990), Busca (nos anos 2000) e, mais recentemente entramos em uma nova onda, que na verdade é um tsunami, o aprendizado de máquina (Machine Learning), com a Kunumi, que criamos há dois anos. Nosso objetivo é criar tecnologia que permita reduzir tempo de programação, criar produtos escalonáveis e customizados, e resolver problemas que não temos ideia de como fazer. Já prestamos serviços para empresas grandes como o Banco Inter e Unimed, e estamos caminhando para joint-venture com ambos”, contou o professor.
Segundo Ziviani, além de projetos nas áreas de negócios e gestão da saúde, a Kunumi atua também em empreendimentos culturais, Na área musical, a Kunumi foi procurada pelo RZO (grupo de hip hop da periferia paulistana, acrônimo para “Rapaziada da Zona Oeste) e produziu, em parceria com o Spotify (empresa responsável pelo streaming de música, mais popular do mundo), a família do cantor e compositor Sabotage (falecido em 2003), e o produtor musical Tejo Damasceno, uma música que simula, com inteligência artificial, uma parceria póstuma entre o rapper e o grupo RZO. O resultado foi a música “Neural”, lançada em 2016, e disponível no aplicativo Spotify e também no Youtube.
Além da música, a empresa também colocou a Inteligência Artificial a serviço das artes plásticas, no caso do Projeto Portinari. Criado por João Cândido Portinari, professor da PUC-Rio, o Projeto Portinari tem como objetivo resgatar a memória do pai do professor, o artista plástico Cândido Portinari.
“Com mais de seis mil obras do artista espalhadas pelo mundo, João Cândido nos procurou para ajudá-lo a identificar telas falsificadas. “Algumas falsificações são grosseiras, mas outras levantam dúvidas quanto à autenticidade. Aí usamos as redes neurais para avaliar se a obra segue, de fato, o estilo de Portinari”, explicou Ziviani.
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