Norte e Sul diante do paradoxo da Urgência Climática
Planeta COPPE / Planejamento Enérgico / Notícias
Data: 10/10/2024
Em 30 anos, os esforços para reduzir o impacto climático das atividades humanas produziram resultados mínimos. Mas, a adoção de novos instrumentos financeiros que reorientem investimentos para projetos de baixo carbono e resiliência climática nos países do Sul Global pode desatar o nó entre desenvolvimento econômico e preservação ambiental. Este é o tema de artigo escrito pelo professor Emilio Lèbre La Rovere, da Coppe/UFRJ, em parceria com o professor Jean-Charles Hourcade, do CIRED, Paris.
O artigo foi publicado no site Pluralia e será discutido, junto, com a adoção da Arquitetura de Garantias Multi-Soberanas (MSGA, já explicada no Planeta Coppe Notícias), no lançamento da Cátedra Luiz Pinguelli Rosa, que será realizada no Palácio Universitário da UFRJ, no dia 18 de outubro.
Apesar das evidências de que estabilizar as mudanças climáticas globais não pode ser alcançado sem o envolvimento conjunto dos países do Sul e dos países desenvolvidos, os professores La Rovere e Hourcade consideram que a avaliação global da COP 28 realizada em Dubai, no ano passado) deixou claro que 30 anos de negociações resultaram em pequenos avanços na ajuda ao Sul para acessar caminhos de desenvolvimento de baixo carbono.
Segundo Emilio La Rovere, professor do Programa de Planejamento Energético (PPE), o paradoxo da urgência climática é que, se a viabilização do desenvolvimento socioeconômico depende de um clima estável, a recíproca também é verdadeira: sem o desenvolvimento, não se consegue estabilizar o clima. “As evidências mostram que a mudança climática já começou. O desenvolvimento sustentável não é possível com essa desordem climática que estamos vivendo nos últimos dois anos. Mas para estabilizar o clima, precisamos que 195 países tenham emissões líquidas de carbono zeradas. Para isso, os países precisam de recursos financeiros e tecnológicos. Para terem esses recursos, as nações precisam de desenvolvimento econômico e ele precisa ser mais sustentável do que os modelos desenvolvimentistas de antes”, critica o professor.
No artigo, os autores dizem que a publicação, em 2018, do relatório especial do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) sobre a estabilização da temperatura global em +1,5ºC, levou a mal-entendidos, pela forma como a mídia disseminou uma ideia de que prevaleceu na sociedade de que: “o IPCC diz que o aquecimento global deve ser limitado a 1,5ºC para evitar uma catástrofe planetária; as soluções para isso estão sobre a mesa; é uma questão de vontade política”.
“Só que 1,5°C impõe alcançar a neutralidade de carbono nas emissões de CO2 até 2050, um prazo insustentável para fornecer fontes de energia renovável acessíveis e infraestruturas de transporte livres de fósseis para 3,76 bilhões de pessoas que vivem com menos de 6,85 dólares/dia. Em segundo lugar, isso entra em dissonância cognitiva com a abordagem bottom-up (de baixo para cima) do Acordo de Paris. Se realmente ‘é 1,5°C ou uma catástrofe planetária’, não há espaço para contribuições nacionalmente determinadas voluntárias”, afirmam os autores.
Felizmente, de acordo com La Rovere e Hourcade, os resultados do IPCC não apoiam essa narrativa. “Primeiro, como o limite estrito de 1,5°C agora é insustentável, a média dos cenários que visam retornar a 1,5°C após um overshoot ou estabilizar logo abaixo de 2°C leva ao mesmo pico de aumento da temperatura: 1,7°C. Isso resulta da inércia do sistema climático, uma vez que a temperatura, função do estoque de gases de efeito estufa, evolui muito mais lentamente do que os fluxos de emissões. Assim, o nível de dano entre agora e o final do século depende muito mais das dinâmicas que já foram colocadas em movimento do que da diferença nos níveis de concentração alcançados entre os cenários de 1,5 ºC e 2 ºC”.
Com isso, uma meta de estabilizar o aquecimento global em 2 ºC oferece mais 25 anos (35 anos com 50% de chance de sucesso) para alcançar a neutralidade de carbono e alinhar o desenvolvimento com as preocupações climáticas.
Nosso futuro comum impõe reformas urgentes
Na avaliação de La Rovere, o enfoque climatocêntrico (que foca apenas no clima e desconsidera o imperativo de crescimento econômico e superação da pobreza e da desigualdade) está fadado ao fracasso. “Do Relatório Brundtland (publicado em 1987, com o título Nosso Futuro Comum – e que introduziu a definição: desenvolvimento sustentável é aquele que atende às necessidades do presente sem comprometer a capacidade das gerações futuras de atenderem suas próprias necessidades) em diante, nunca mais a ONU faria relatórios ambientais que não incluíssem o desenvolvimento como questão fundamental”.
Uma narrativa centrada no clima desvia a atenção da natureza paradoxal da urgência climática: o aumento final da temperatura depende de que todas as sociedades humanas estejam ou não capacitadas para a transição energética, e, para isso acontecer, outras urgências sociais devem ser atendidas, começando pela redução da pobreza e produzir respostas aos medos de degradação social entre as classes médias nos países desenvolvidos.
“É claro que os países do Sul querem minimizar as mudanças climáticas, pois serão as primeiras vítimas de seus impactos negativos. No entanto, desde 1992, o Norte muitas vezes esqueceu que enfrentar o desafio climático impõe reformas urgentes nos mecanismos que contribuem para padrões de desenvolvimento perversos no Sul e impedem seu acesso a caminhos de desenvolvimento compatíveis com 2 ºC”, afirmam os autores.
A maior parte dos investimentos em descarbonização e adaptação deve ser feita no Sul, enquanto metade das economias globais está nas mãos de sessenta milhões de milionários, principalmente localizados no Norte. O desafio, segundo La Rovere, é reorientar uma parte dessas economias para projetos de baixo carbono e resilientes no Sul. Essa mudança estaria em conformidade com o princípio das “responsabilidades comuns, mas diferenciadas”.
“Tudo o que os países ricos não fizeram em relação à pobreza e desigualdade, terão que fazer em relação ao clima. Não é um problema que afetará países distantes e que essas nações poderão negligenciar, é algo que afetará a todos”, conclui o professor da Coppe.
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