Número de óbitos domiciliares por covid-19 no município do Rio pode ser maior do que o registrado

Planeta COPPE / Engenharia de Sistemas e Computação / Notícias

Data: 26/06/2020

Levantamento realizado na UFRJ revela que o número de óbitos domiciliares por covid-19 no município do Rio de Janeiro pode ser bem maior do que o notificado. De acordo com os dados apurados, na cidade carioca, entre 16 de março e 28 de maio de 2020, foram registradas, sem atribuição direta ao novo coronavírus, 885 mortes a mais de causas naturais em residências do que no mesmo período do ano passado. Mas, os pesquisadores acreditam que boa parte delas pode ter a Covid-19 como causa básica, o que indica que os cálculos de leitos necessários estão comprometidos e as medidas que vêm sendo adotadas equivocadas, a exemplo do início do afrouxamento do confinamento no município.

O levantamento foi realizado pelos professores da UFRJ Rafael Galliez e Roberto Medronho, do Departamento de Medicina Preventiva da Faculdade de Medicina; Guilherme Horta Travassos, da Coppe; Priscila Machado Lima e Claudio Miceli de Farias, da Coppe e do Núcleo de Computação Eletrônica (NCE); e pela técnica Patrícia Furtado da Silva, coordenadora de Atenção à Saúde do Complexo Hospitalar da UFRJ. Todos integram o Grupo de Trabalho Multidisciplinar da UFRJ sobre a Coronavirus Disease 19. Os pesquisadores fizeram o levantamento, a partir dos dados do Portal da Transparência do Registro Civil do município do Rio.

O professor Rafael Galliez explica que eventualmente muitos óbitos declarados como outras causas podem ter a Covid-19 como a causa básica, que é definida como a “doença ou lesão que iniciou a cadeia de acontecimentos patológicos que conduziram diretamente à morte, ou as circunstâncias do acidente ou violência que produziram a lesão fatal”. De acordo com o professor, o novo coronavírus também pode ser uma causa contribuinte. “Isto ocorre quando qualquer doença ou lesão que, a juízo médico, tenha influído desfavoravelmente na saúde de uma pessoa, contribuindo assim para sua morte, mesmo sem estar relacionada com o estado patológico que conduziu diretamente ao óbito”, explica.

O Dia 16 de março foi escolhido como um dos pontos de partida para o levantamento, por ser o primeiro dia em que um óbito domiciliar foi registrado no município do Rio tendo a covid-19 como motivo suspeito. Mas, para tornar a situação preocupante mais visível, a professora Priscila Machado Lima explica que levantaram também as ocorrências no período entre 01 de janeiro e 28 de maio, no qual o total de mortes registradas em residências por causas básicas foi 893 a mais que no mesmo período em 2019.

“Analisando os registros, podemos observar que apenas 59 foram, de fato, atribuídos à covid-19. No total, no ano passado foram registradas 2.989 mortes por doenças respiratórias em domicílios da cidade do Rio neste período, e dessas 2.580 foram classificadas como Demais óbitos. Agora em 2020, nesse mesmo intervalo de tempo, o número subiu para 3.882 casos, dos quais os Demais óbitos respondem por 3.233, que é um número que precisa ser avaliado com muita atenção”, alerta a professora do NCE e do Programa de Engenharia de Sistemas e Computação da Coppe.

Para os pesquisadores o expressivo aumento de 885 casos de morte domiciliares consideradas como outros motivos, faz acreditar que os 59 registrados como covid-19 pode estar muito abaixo da realidade. Por isso, de acordo com eles, a quantidade de leitos e UTIs ocupados é insuficiente para ser utilizada como parâmetro de apoio para medidas de relaxamento de distanciamento social, já que entre as vítimas não diagnosticadas com o novo coronavírus pode haver muitas que contraíram essa doença e não chegaram a ser hospitalizadas. Na visão dos pesquisadores, é notório que o Rio de Janeiro não conseguiu dispor de todos os leitos de internação e UTI necessários para atender aos pacientes, e se houver um crescimento ainda maior, o que pode ocorrer com o afrouxamento, a situação tende a piorar. De acordo com eles, há outros indicadores que deveriam ser considerados antes de se reduzir o isolamento social, como o aumento de casos notificados, aliado ao crescente aumento de mobilidade, e a estimativa da taxa de transmissão.

No momento, muitos podem ter a sensação que houve alguma melhoria no quadro de evolução da pandemia devido à redução na procura por leitos hospitalares. Mas, para a coordenadora de Atenção à Saúde do Complexo Hospitalar da UFRJ, Patrícia Furtado da Silva, a redução também pode estar relacionada, entre outros fatores, à prática de automedicação por uma parte da população. “Além de potencialmente provocar algum reflexo sobre o número de atendimentos hospitalares, a automedicação pode ser fator presente no histórico de indivíduos que evoluíram com gravidade e óbito em domicílio. A medicação por conta própria pode retardar a procura dos infectados por serviços de saúde”, lamenta Patrícia, enfermeira e técnica da UFRJ.

O atual quadro de óbitos domiciliares reforça ainda mais a necessidade de maior bloqueio de circulação da população. Os professores Guilherme Travassos, Roberto Medronho e Claudio Miceli, que também desenvolveram um modelo computacional para estimar a evolução da pandemia, continuam defendendo um maior isolamento social no município e no estado do Rio, como forma mais eficaz para poupar vidas neste momento, e também evitar o colapso no sistema de saúde. Neste sentido, desenvolveram um indicador batizado de “covidímetro” que, inspirado em um velocímetro, mostra à população a evolução dos casos e os riscos de contágio, e ainda sinaliza exatamente o grau de risco de colapso no sistema de saúde.