O combustível das revoltas

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Data: 28/03/2023

| Autor(a): Mauricio Tolmasquim - Professor da Coppe/UFRJ e ex-presidente da Empresa de Pesquisa Energética

A guerra Rússia-Ucrânia causou um forte aumento do preço dos derivados do petróleo. Esta situação vem causando preocupação à maioria dos governantes. Afinal, são muitos os exemplos de governos ameaçados por revoltas contra o aumento dos preços dos combustíveis. Há alguns meses, o governo do Cazaquistão vem sendo sacudido por manifestações detonadas pelo fim dos subsídios a carburante para automóveis. No Irã, em 2019, a revolta conhecida como “novembro sangrento” teve seu estopim no aumento do preço e no racionamento da gasolina. Na França, em 2018, a alta do imposto sobre o consumo de produtos energéticos foi o estopim do movimento dos “coletes amarelos”, cuja fúria abalou o governo Macron.

A melhoria do transporte urbano coletivo e o aumento de sua acessibilidade são sem dúvida elementos cruciais para a redução da pressão por combustíveis automotivos baratos. Contudo, infelizmente, ela não é suficiente, dado o desejo de muitas pessoas de ter seu próprio carro. Além disto, os veículos individuais são instrumentos de trabalho para parcela relevante da população. Como exemplo, podemos citar os motoristas de aplicativos e de táxis e os pequenos comerciantes.

No Brasil, o etanol é uma ótima alternativa, do ponto de vista ambiental, ao combustível fóssil, e deve ser nossa prioridade. Contudo, ele sozinho, não é uma solução para aliviar a pressão sobre o bolso do consumidor. O seu preço tem acompanhado o preço da gasolina dada restrições de oferta. Assim tanto o carro híbrido como o elétrico “puro” são necessários para complementar uma frota veículos que rode apenas com etanol.

Várias projeções indicam que os veículos elétricos serão competitivos com os carros a combustão interna em cerca de cinco anos. O fim dos subsídios aos combustíveis fósseis serviria de incentivo a expansão da produção nacional de etanol e à implantação de uma indústria nacional de veículos híbridos ou elétricos “puros”. 

Contudo, estamos em um círculo vicioso que se retro alimenta constantemente. Os governos são forçados a subsidiar os veículos carburantes dada a falta de alternativas mais baratas. Estes subsídios, por sua vez, desestimulam a produção de biocombustíveis e o desenvolvimento da indústria de veículos elétricos, provocando assim o clamor por combustível fóssil barato.

Apesar de aparentemente paradoxal, não há incoerência no fato de um país produtor de petróleo como o Brasil investir fortemente na descarbonização de sua economia. A Noruega, por exemplo, grande exportador de petróleo e gás natural, é um campeão no fomento a energia limpa. O Parlamento norueguês decidiu como meta nacional que todos os carros novos vendidos até 2025 sejam de emissão zero. Em 2020, 74,8% (maior percentual no mundo) dos veículos novos vendidos na Noruega foram elétricos e 98% da eletricidade foi gerada a partir de fontes renováveis. Podemos seguir o mesmo caminho.

* Publicado em O Globo, na editoria Opinião, em 24/03/2022.