Ouvidora defende humanização das relações, em tempos de crise ética
Planeta COPPE / Notícias
Data: 11/06/2019
Para uma plateia composta majoritariamente por professoras e alunas, a ouvidora da UFRJ, professora Cristina Riche, falou na Coppe sobre políticas de enfrentamento e combate ao assédio organizacional, defendendo a constituição de um ambiente universitário no qual a solidariedade e a ética prevaleçam. O evento realizado no dia 30 de maio, no auditório da Coppe, foi promovido pelo Grupo de Apoio às Mulheres, criado recentemente na instituição.
Professora do Núcleo de Estudos de Políticas Públicas em Direitos Humanos (NEPP-DH) da UFRJ, Cristina iniciou sua apresentação pontuando que os conflitos interpessoais são um fenômeno natural e fazem parte do cotidiano, mas que devem ser manejados para que não ganhem escala se tornando violência.
“Temos que entender o que é assédio e não banalizar a situação. Nem tudo é assédio. Como identificamos? Isso envolve subjetividade, mesmo a vítima tem dificuldade em constatar que sofre. Mas todas as situações que envolvem preconceito, assédio, são violentas”, ponderou Cristina.
Segundo a ouvidora, o assédio existe desde sempre e a sua maior vítima é a mulher. “E ela se sente culpada da própria agressão que sofre. Se mexeu com ela, é porque está de saia curta. Na escola, se a menina fosse gorda, chamavam de elefante da Cica, se fosse magra, Olívia Palito. As pessoas são alvo de assédio pelo biótipo: é o desconhecimento de que a regra de ouro deve prevalecer”, relatou a professora, que definiu a regra de ouro como sendo “não faça ao outro o que você não quer que faça a você”.
Para tornar mais claro o conceito de assédio moral, a professora da UFRJ citou a psicanalista francesa, Marie-France Hirigoyen, que o define como “comportamento abusivo, que por sua repetição e sistematização, atenta à dignidade ou à integridade psíquica ou física, pondo em perigo seu trabalho ou deteriorando clima no ambiente de trabalho”. Já o assédio sexual, explica a ouvidora da UFRJ, é a abordagem repetida com intenção de obter favores sexuais. “Essa conduta ofende a dignidade, imagem e honra do funcionário, pode ser realizada por chantagem, intimidação, por um superior hierárquico, e também por um colega no mesmo patamar na hierarquia organizacional.”
Humanizando relações: mais utopias
Segundo a palestrante, o mundo atravessa um momento histórico marcado por uma crise ética, de lideranças, de valores, e pela intensificação do trabalho, pelo aumento na exigência de produtividade e qualidade, encurtamento dos prazos para realização de tarefas, precariedade nos empregos. “São mudanças na sociedade que impactam em mudanças no mundo do trabalho, em mudanças nos indivíduos, acelerando o ritmo de vida, a importância da imagem e da aparência, e a exacerbação do individualismo, gerando um círculo vicioso”, criticou.
Segundo Cristina, vivemos o que o escritor franco-libanês Amin Maalouf chama de desregramento intelectual, com o ímpeto das afirmações identitárias, que tornam difícil a coexistência harmoniosa como todo debate verdadeiro. “Se você não pensa que nem eu você está excluído do grupo”.
“Mas eu acredito na mediação de conflitos, na conciliação como forma de acesso à Justiça. Acredito no poder pedagógico para alcançar a autonomia das partes e primazia da vontade na solução dos problemas. Isso pra mim é cidadania”, ponderou a professora, ressaltando que “precisamos refletir acerca de nossas práticas, humanizar nossas relações. Precisamos de mais amorosidade, mais sonhos, mais utopias. É preciso enfrentar essa concepção viciosa de que não se deve pensar em trabalhar com prazer, em ser feliz no seu ambiente laboral, e transformá-la em um círculo virtuoso”, contrapôs a professora.
E completa citando a Constituição Federal, “a nossa Constituição Cidadã, que Frei Caneca chamava de ata do pacto social. Ela estabelece que a dignidade da pessoa humana é fundamento do Estado democrático de Direito e é pré-requisito dos demais, pois não há cidadania, soberania ou valor social do trabalho, sem que seja garantida e respeitada a dignidade da pessoa humana”, ressaltou a ouvidora.
Engajamento pelo posicionamento ético da universidade
Idealizadora da Ouvidoria da UFRJ, e também do BNDES, e primeira ouvidora de ambas as instituições, Cristina Riche explica que Ouvidoria tem como atribuições mediar conflitos, representar direitos, combater discriminações e humanizar relações, e tem como diretrizes éticas: a escuta empática, a imparcialidade, a competência, a diligência, a honestidade e a confidencialidade. Além disso, deve “cuidar amorosamente das pessoas, zelar pelo equilíbrio e pela temperança, dar transparência na condução e adoção de procedimentos, dever de reconhecer o erro que serve como aprendizado e incluir na pauta de trabalho a diversidade e valorizar um ambiente colaborativo e seguro”.
Em sua avaliação, a sociedade precisa conhecer o posicionamento ético da universidade. “Deve-se constituir um ambiente no qual a solidariedade prevaleça. Na administração pública, a solidariedade é dever para a construção da cidadania, não é favor. Nós estamos lutando para termos um código de conduta ética e uma comissão de conduta ética na UFRJ. É muito importante que a gente crie uma rede de proteção. É preciso uma política contra qualquer tipo de violência em nossa comunidade. É preciso parar de fechar os olhos para o assédio na universidade”, explicou Cristina.
Sobre o Grupo de Apoio às Mulheres da Coppe
O Grupo de Apoio às Mulheres da Coppe, responsável pela promoção do evento, é formado por professoras da instituição. Foi criado em 14 de março de 2019 e tem como objetivo promover o desenvolvimento da mulher na carreira acadêmico/científica. Essas ações incluem o acolhimento de alunas e professoras que apresentam dificuldades para a realização de suas atividades ou são vítimas de comportamentos inadequados de colegas em ambiente de trabalho.