Pesquisador da COPPE adverte: conflitos podem comprometer novo modelo de gestão das bacias fluviais
Planeta COPPE / Engenharia Civil / Notícias
Data: 11/10/2005
“É um equívoco manter rios sob diferentes domínios. Os conflitos de interesse atrapalham a gestão dos comitês de bacias hidrográficas e podem nos levar a um retrocesso, após tantos anos de luta para viabilizar a gestão descentralizada e participativa dos recursos hídricos no Brasil.” A advertência é do pesquisador Jander Duarte, que em julho passado defendeu na COPPE sua tese de doutorado sobre gestão dos recursos hídricos no Brasil.
Na tese, intitulada “Desafios do Gerenciamento dos Recursos Hídricos nas Transferências Naturais e Artificiais, Envolvendo Mudança de Domínio Hídrico”, e elaborada sob a orientação dos professores José Paulo e Rosa Formiga, o pesquisador demonstra que os rios sob o domínio dos estados e da União tendem a ter a administração lenta e ineficaz, além de sujeita aos humores políticos dos governos.
Segundo Duarte, o poder público sempre se mostrou ineficiente na gestão dos recursos hídricos. Na tentativa de solucionar este problema, em 1997, com a entrada em vigor da Lei 9.433/97, foi regulamentado um modelo que instituiu comitês de bacia como responsáveis pela gestão de cada bacia hidrográfica. Os comitês são constituídos por representantes da sociedade civil, das empresas usuárias de água bruta e dos poderes públicos municipais, estaduais e da União. Há mais de 100 deles no Brasil, sendo sete de bacias de rios federais: Paraíba do Sul, São Francisco, Doce, Piracicaba, Paranaíba, Pomba/Muriaé e Verde Grande.
Regras diferenciadas geram conflitos na bacia do Paraíba do Sul
Apesar de o modelo de gestão das bacias por comitês corresponder às reivindicações de mais de 10 anos, o problema da divisão dos rios entre os domínios estadual e federal persiste. Duarte alega que com a configuração atual os comitês não podem atuar com a autonomia necessária. “A constituição é ambígua: ao mesmo tempo em que propicia autonomia aos comitês, por meio da Lei 9.433/97, a Lei das Águas, mantém o domínio hídrico de estados e da União sobre os rios que pertencem a mesma bacia. Com isso, abre brechas para a criação de regras diferenciadas que acabam gerando conflitos e desestimulando a participação daqueles que já estão sujeitos às regras definidas pelo comitê do rio principal”, como é o caso da bacia do Paraíba do Sul”, ressalta.
O modelo de gestão instaurado em 97 e defendido por Jander, pressupõe que os comitês determinem os valores de cobrança sobre os usos das águas de cada bacia (captação, consumo e lançamento). Mas até agora, o único comitê brasileiro que faz tal tipo de cobrança é o do Rio Paraíba do Sul, e ainda assim só nos rios de domínio da União e do Estado do Rio de Janeiro, já que Minas e São Paulo ainda não implementaram a cobrança. A bacia do Paraíba do Sul foi a primeira a criar um comitê gestor dos recursos hídricos, cerca de um ano antes de entrar em vigor a Lei de 97.
“O usuário de grande ou pequeno porte que paga para usufruir das águas da bacia do rio Paraíba acha injusto pagar pelo uso da água bruta, enquanto seus vizinhos em rios mineiros ou paulistas ainda não precisam pagar “, afirma Duarte. Como a bacia é a mesma, quem paga reclama com razão. “Se não corrigirmos isso, os conflitos podem se agravar e podemos estar jogando no lixo os anos de luta que tivemos para aprovar no Brasil um modelo racional de gestão para os recursos hídricos”, adverte o pesquisador.
Modelo brasileiro propicia gestão participativa
Duarte explica que os comitês de bacia foram pensados para atender aos maiores interessados, a sociedade civil e os usuários da água (indústrias, empresas de saneamento, usinas hidrelétricas, usinas termelétricas, agricultura irrigada e etc.). Por isso, na formação de cada comitê, estes setores perfazem, no mínimo, 60 % da totalidade dos membros, sendo o restante preenchido por representantes dos poderes públicos. Vale dizer que o domínio dos estados e da União sobre os rios é assegurado pela Constituição, o que na prática inviabiliza a autonomia de cada comitê para gerenciar rios de diferentes domínios hídricos que se comunicam como vasos comunicantes, independente dos limites administrativos dos entes federados.
O modelo de gestão defendido por Jander é dominante em países como França, onde as seis principais bacias do país são administradas por comitês e agências de bacia, o braço executivo dos comitês. Na França, no entanto, o Estado é Unitário, diferente do Brasil, onde o federalismo dá autonomia para os estados, municípios e União, dificultando a tomada de decisões em um contexto mais amplo, como o das bacias hidrográficas.
Portanto, os comitês brasileiros deveriam assumir, de fato, a gestão das bacias hidrográficas, independente dos domínios hídricos, uma vez que é, na prática, uma experiência regional entre unidades federadas. Essa experiência pode-se consolidar, com a participação da sociedade, como peça fundamental do pacto federativo local, onde a agenda de debates e negociações passa, obrigatoriamente, pela cooperação entre as unidades federadas, com a interveniência dos usuários da água e da sociedade civil, fortalecendo, desse modo, o federalismo brasileiro, conclui Duarte.