Pesquisador defende pagamento da água aos estados doadores no projeto de transposição do São Francisco
Planeta COPPE / Engenharia Civil / Notícias
Data: 21/03/2005
O projeto da transposição, integrando o Rio São Francisco às bacias do Nordeste Setentrional, vem causando grande polêmica e forte oposição dos governos dos estados de Minas Gerais e Bahia, denominados doadores. Segundo o professor Paulo Canedo, coordenador do Laboratório de Hidrologia da COPPE/UFRJ, para por fim a polêmica e iniciar uma discussão mais proveitosa é preciso atribuir valor a água e garantir o pagamento aos estados doadores. “A água é um bem econômico, cuja abundância propicia desenvolvimento e prosperidade a uma região”, afirma o pesquisador, que assina com outros especialistas a versão preliminar do Plano Decenal de Recursos Hídricos da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco (PBHSF) para a Agência Nacional de Águas (ANA).
O projeto de transposição propõe que os estados de Minas Gerais e Bahia, juntos, cedam 2% do volume de água do rio que banha suas regiões. Canedo considera o projeto razoável “Trata-se de uma quantidade de água desprezível e beneficiará cerca de 12 milhões de pessoas. Não há como ser contra, se compararmos o que esses estados perderão em relação ao enorme ganho que significará para o Polígono da Seca”, afirma o professor, usando como exemplo a transposição do Rio Paraíba do Sul para o Rio Guandu, no estado do Rio de Janeiro, que é de 70% do volume da água. Mas o especialista considera justa a oposição feita pelos representantes de Minas Gerais, Bahia e Sergipe. “Apesar de ser um volume pequeno, esses estados têm todo o direito de reclamar, pois o que se pede deles é uma renúncia hídrica, que deverá significar um futuro sacrifício em termos de desenvolvimento. Antes de mais nada, é preciso deixar claro que a água tem valor e que esses estados precisam receber pela água que será transportada. Até então esse ponto não estava sendo considerado, pelo menos nos pronunciamentos públicos feitos por membros do Governo. Além disso, não estão sendo contempladas na discussão as várias cidades desses estados que também apresentam problemas de abastecimento e são carentes de infra-estrutura hídrica, mesmo estando às margens do Rio São Francisco”, ressalta Canedo.
O aproveitamento hídrico do projeto de transposição do Rio São Francisco foi aprovado pelo Conselho Nacional de Recursos Hídricos (CNRH), ligado ao Ministério do Meio Ambiente, no dia 17 de janeiro. De acordo com o Plano Decenal, a transposição propiciará aos estados do Nordeste Setentrional um consumo adicional imediato de 25 m3/s (25.000 litros por segundo), podendo chegar a 65m3/s de água em 2025. Segundo o professor, o semi-árido nordestino tem centenas de reservatórios que são capazes de atender a vazões de até 77m3/s. Com a transposição, no futuro essa região poderá ser beneficiada com um volume de água de 180m3/s. Portanto, um total superior a simples soma da capacidade atual dos reservatórios com o volume de água transportado. “Não trata-se do milagre da água. O adicional de 38 m3/s deve-se a uma economia gerada pelo fato de que só estará exposto ao tempo o volume suficiente para o consumo, evitando assim, perdas por evaporação e transbordamento nos reservatórios”, explica o professor.
A seca no semi-árido nordestino é causada pela má distribuição do volume de chuva : na região chega a chover 700 mm por ano, durante uma média de apenas três meses. “Como o solo da região é raso, não há retenção e a água da chuva escoa rapidamente. Outro problema é que muitos dos açudes nordestinos são largos e rasos. Para se ter uma idéia, um açude precisa conter quatro litros de água para viabilizar o uso de apenas um litro. A água evapora com facilidade”, explica o professor que defende a transposição como uma boa solução para o semi-árido brasileiro.
O Ministro da Integração Nacional, Ciro Gomes, que defende a transposição como um instrumento que possibilitará diminuir as desigualdades regionais, costuma citar como argumento uma indicação da ONU que estabelece um limite mínimo de 1.000 metros cúbicos de água por habitante/ano. Atualmente, a disponibilidade em algumas áreas dos sertões do Nordeste Setentrional é de aproximadamente 500 metros cúbicos por habitante/ano. Neste cenário de carência hídrica, que se traduz em pobreza e baixos índices de desenvolvimento humano, o São Francisco responde por cerca de 70% da água disponível na região, o que o torna o principal objeto de cobiça do nordeste brasileiro.