Pesquisadores brasileiros e chineses debatem futuro da bioenergia

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Data: 23/11/2015

Durante o 9º Simpósio Internacional de Bionergia (WBS, na sigla em inglês), pesquisadores brasileiros e chineses debateram diversos aspectos relacionados a biocombustíveis, como matérias primas, escala de produção, eficiência, qualidade do produto e a competitividade em termos de custos de produção e comercialização. Promovido pelo Centro China-Brasil de Mudanças Climáticas e Tecnologias Inovadoras para Energia, uma parceria entre a Coppe/UFRJ e a Universidade de Tsinghua, o evento, realizado em Brasília de 3 a 6 de novembro, contou com dois dias de apresentações técnicas e debates, e dois dias de visitas guiadas: aos laboratórios da sede da Embrapa Agroenergia e a duas plantas de produção de biocombustíveis, uma de etanol e outra de biodiesel.

Na abertura do evento, o vice-diretor da Coppe e diretor do Conselho Executivo do Centro China-Brasil, professor Romildo Toledo, destacou a necessidade de novas tecnologias para o aproveitamento de biomassa, biocombustíveis e reaproveitamento de resíduos sólidos. “Precisamos ampliar as pesquisas para tornar essas tecnologias mais competitivas”, enfatizou o vice-diretor da Coppe.

O professor da Universidade de Tsinghua, Dehua Liu, co-diretor do Centro China-Brasil, ponderou que o baixo preço do petróleo e a desaceleração do crescimento econômico geram um prognóstico desafiador para a biotecnologia e os combustíveis renováveis. “Apesar de o cenário atual não ser muito favorável à bioenergia, a China a mantém como prioridade e defenderá isso na COP21, em Paris”, ressaltou Liu.

Apesar de reconhecer a adversidade momentânea, bem como a existência de desafios a superar em termos de competitividade, escala e sustentabilidade, o chefe da Divisão de Recursos Energéticos Novos e Renováveis do Ministério das Relações Exteriores, Renato Godinho indicou que o governo está empenhado em ampliar as parcerias entre Brasil e China em energias renováveis. “Há espaço na China para um forte aumento na demanda por etanol celulósico e o Brasil, como grande produtor de bioenergia, quer estar de braços dados com a China nessa evolução”, afirmou.

Desafios e desigualdades na gestão de resíduos

Além das considerações políticas, foram realizadas diversas apresentações técnicas, de estudos de caso sobre sustentabilidade ambiental e de experiências na produção de biocombustíveis.O professor José Fernando Jucá, do Programa de Pós-Graduação em Engenharia Civil da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), apresentou um panorama da gestão de resíduos sólidos no Brasil, com números alarmantes. O Brasil é o quinto país que mais consome no mundo (atrás de EUA, China, Japão e Alemanha), e também o quinto que mais gera lixo. Só em 2014, foram geradas 78,5 milhões de toneladas de resíduos sólidos (54% do total apenas na região Sudeste).

A qualidade da gestão desses resíduos espelha a enorme desigualdade que é característica do país. A região Norte, que cobre 45% do território do país, dispõe de somente três aterros sanitários e duas usinas de compostagem. Fora isso, a região conta apenas com “lixões”. O cenário no Nordeste não é muito melhor, e, no Centro-Oeste, mesmo Brasília, a capital federal, não tem sequer um aterro sanitário. Um panorama completamente diverso das regiões Sul e Sudeste, com destaque para Santa Catarina, que segundo José Fernando Jucá, tem 100% de seus municípios atendidos por aterros sanitários. No total, 54,4% dos resíduos sólidos gerados no país vão parar em lixões.

Na avaliação de Jucá, mesmo nas universidades o tema é tratado com descaso. De acordo com dados das principais instituições de proteção á propriedade intelectual, no mundo há cerca de 30 mil patentes sobre tecnologias para o manejo de resíduos sólidos. Apenas 17 desses registros foram feitos por pesquisadores brasileiros. “O Brasil pouco pesquisa o tema e se torna dependente de tecnologias geradas na Europa”.

“Parece que o Brasil está desgovernado, mas nós temos política para gestão de resíduos. Temos um marco regulatório, embora o que foi fixado em 2010 como meta para ser atingida até 2015 nem sequer passou perto de ser alcançado. Precisamos de parcerias público-privadas na área, porque só público não vai e só privado vai mal”, explicou o professor da UFPE.

Em sua apresentação, o professor Isaac Volschan, do Programa de Engenharia Ambiental (PEA) da Escola Politécnica da UFRJ fez uma digressão técnica a respeito do tratamento de água e esgoto no país, e destacou a existência de grandes estações de tratamento associados a unidades de produção de biogás, como a estação de Arrudas, em Minas Gerais, capaz de processar 194 milhões de litros de esgoto por dia e de gerar 2,4 megawatts.

As unidades utilizam reatores UASB, que aproveitam o gás eliminado em uma das fases do tratamento de esgoto, que é a reação anaeróbica feita dentro de equipamentos conhecidos como biodigestores. Nesse processo, o esgoto gera metano, pela decomposição anaeróbica da matéria orgânica.

Volschan informou ainda que a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) está apoiando oito novos investimentos em unidades de produção de biogás, que receberão investimentos em bens de capital, na ordem de 90 bilhões de dólares.

Universidade mais sustentável

A professora Beatriz Chaves, do Programa de Engenharia Química (PEQ) da Coppe, apresentou um estudo feito pela engenheira Suzana Kahn, professora do Programa de Engenharia de Transportes (PET) da Coppe, e diretora do Fundo Verde da UFRJ, a respeito da redução da emissão de CO2 no principal campus da UFRJ, a Cidade Universitária.

Segundo os dados levantados por Suzana Kahn, a Cidade Universitária consome, por ano, 14 milhões de litros de água e 24 milhões de reais, em gastos com energia. Pensando nisso, foi estruturado o Fundo Verde, mantido por parte do imposto sobre circulação de mercadorias e serviços (ICMS) pago pela universidade sobre seu consumo de energia, tendo por objetivo de desenvolver e financiar projetos de infraestrutura e energia. “Assim, o consumo de energia da universidade financia o seu próprio uso sustentável e eficiente”, avaliou Beatriz.

O estudo desenvolvido pela coordenadora do Fundo Verde indica que 25 mil veículos circulam diariamente no campus, sendo os carros particulares responsáveis por 83% da emissão de CO2. Como forma de mitigar esse impacto, o Fundo tem incentivado o uso do transporte coletivo, com a disponibilização de uma van, que funciona com biodiesel (100%) gerado a partir do óleo residual descartado pelos restaurantes do campus; a aquisição de carros elétricos de fabricação chinesa, e a disponibilização de um aplicativo de fleet sharing, chamado “Caronaê” (vencedor do concurso Soluções Sustentáveis Fundo Verde), que estimula que alunos, professores e pesquisadores deem carona a seus colegas para a ida ou saída da Cidade Universitária.

Projetos de larga escala

O vice-secretário de Ciência e Tecnologia de Pequim, Jianmin Wu, apresentou o quadro atual de produção de biogás na China e os ambiciosos planos chineses para o futuro. Segundo Jianmin, o país já possui uma capacidade de produção instalada de 200mW. Só na municipalidade de Pequim, são 16 depósitos de lixo sólido, todos com coletores de gás natural.

Além disso, a China conta com aquele que é reconhecido pela ONU como o maior projeto de biogás do mundo, a iniciativa da empresa DQY Ecological que produz biogás a partir das fezes de frangos e galinhas, na fazenda que mais produz ovos na Ásia, com cerca de três milhões de aves. “A fazenda é capaz de gerar 10 mil m³ de gás natural. O gás gerado chega a 55% de metano em sua composição, 95% quando comprimido. O sucesso despertou atenção internacional, e a empresa Smithfield, maior produtora de carne suína dos EUA, requereu a aquisição de equipamentos, orçados em 500 milhões de dólares, para um período de dez anos”, relatou o secretário.

Segundo projeções do governo chinês, em 2015, o total de energia renovável gerada na China será equivalente à queima de 5,5 milhões de toneladas de carvão. Mas, o governo de Xi Jinping quer mais. “Estamos selecionando cidades adequadas para projetos de aquecimento usando biomassa. Aumentando o número de projetos, gradualmente expandiremos a escala dos empreendimentos. O objetivo é termos, no futuro, 10 milhões de m³ de biomassa para geração de gás”, concluiu Jianmin.

O professor Dehua Liu, por sua vez, discorreu acerca da tecnologia desenvolvida pela Universidade de Tsinghua para a produção de biodiesel, com ação da enzima lipase. De acordo com Liu, a nova tecnologia elimina, em grande parte, o efeito negativo do metanol e glicerol, gerados durante a ação enzimática. No entanto, o professor reconheceu que o alto custo da lipase em comparação com a rota química – método mais tradicional de produção de biodiesel – com uso de álcalis, gera um problema de competitividade para a solução proposta.

Como vantagens, Liu cita que a estabilidade e eficiência da lipase foram aperfeiçoados significativamente, e que a rota enzimática permite o uso de uma variedade muito maior de óleos, tendo sido testados, em Tsinghua: soja, palma, canola, semente de algodão, óleo animal, óleo oriundo de algas.