Pesquisadores discutem as mudanças no modo de vida urbana pelo uso dos smartphones

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Data: 04/12/2019

“Estamos vivendo uma transição só comparável à transição da vida nômade para a vida sedentária, a transição para o universo das imagens técnicas e perda da centralidade do texto escrito para organização da cultura”, afirmou o professor Roberto Bartholo

Como as novas tecnologias, como smartphones, alteraram a comunicação e os modos de presença nos grandes centros urbanos? Esta reflexão foi o tema central do evento HiperUrbano, que reuniu no Rio de Janeiro profissionais de diversas formações para uma reflexão acerca da cidade digital, no Rio de Janeiro. Promovido pelo Laboratório de Tecnologia e Desenvolvimento Social (LTDS) da Coppe/UFRJ e pela Université Paris 8 Vincennes-Saint Denis, o evento foi realizado pela primeira vez fora da Europa.   

“Em geral, consideramos essas tecnologias como acessórios, mas não são. Elas transformam radicalmente nossa forma de agir e pensar”, afirmou Khaldoun Zreik, idealizador do HiperUrbano

Segundo Khaldoun Zreik, idealizador do HiperUrbano, a cidade pós-digital é uma cidade inteligente, que envolve a disseminação e o enraizamento de tecnologias modernas na vida urbana, como Internet das Coisas, robótica e automação. “Em geral, consideramos essas tecnologias como acessórios, mas não são. Elas transformam radicalmente nossa forma de agir e pensar. Andamos pela cidade com os smartphones à mão, recorrendo às informações e formas de interação que eles propiciam, e isso influencia nossa forma de estar e agir na cidade. Quando exploramos a cidade com smartphone, o fazemos de maneira dupla ou tripla”.

Segundo Gabriel Burzstyn, pesquisador de pós-doutorado da Coppe e organizador do evento no Brasil, o smartphone é um instrumento cognitivo potente, de possibilidades infinitas, e que inaugura todo um novo sistema de gestos, alterando a forma como as pessoas se comportam, tanto na intimidade dos espaços privados, quanto nos ambientes abertos dos espaços públicos. “A observação de gestos nos permite ler a forma de interação com o mundo. É uma chave para decifrar novos modos de existência”.

“Dedicamos parte de nosso tempo para a produção de imagens. É o sacrifício de uma parcela de experiência imediata de vida para a produção de outras”, avaliou Gabriel Burzstyn

“A experiência urbana se transformou com a chegada dos smartphones. A quantidade de aparelhos em uso já superou o número de habitantes no planeta. Usado na intimidade mais extrema e também nos espaços mais públicos, os smartphones promovem a ‘imagificação´ do mundo. Dedicamos parte de nosso tempo para a produção de imagens. É o sacrifício de uma parcela de experiência imediata de vida para a produção de outras”, explicou o pós-doutorando da Coppe.

De acordo com o professor Roberto Bartholo, do Programa de Engenharia de Produção da Coppe, vivencia-se uma dissolução de mundo, uma transição crítica, e um dos lugares mais atingidos por essa dissolução é a universidade. “Estamos vivendo uma transição só comparável à transição da vida nômade para a vida sedentária, a transição para o universo das imagens técnicas e perda da centralidade do texto escrito para organização da cultura, como antecipou Vilém Flusser (filósofo tcheco naturalizado brasileiro)”, ressaltou o professor, que é coordenador do LTDS.

Na avaliação de Gabriel Bursztyn, há um conjunto de novas tendências em curso, na medida em que as cidades se tornam pós-digitais. Uma delas é o surgimento de uma ética híbrida, na qual as pessoas sentem-se mais livres e, no entanto, têm suas escolhas direcionadas. “A gente toma apenas parte das decisões que pensa que toma. Os algoritmos nos conduzem a caminhos pré-determinados. Nossos dispositivos são como caixas-pretas. Controlamos o input (entrada) e o output (saída), mas o meio é opaco para nós. É importante que a gente pense filosoficamente este processo para não ser submetido por ele”.

Outra tendência relatada por Gabriel é a eficientização da realidade. “Você vai a uma cidade, na qual nunca esteve, e o aplicativo te mostra como dirigir para chegar onde quer. Não há chance para o acaso lhe trazer novos caminhos e possibilidades. Por exemplo, qual o lugar da poesia num mundo mais eficiente? A poesia é inimiga da previsibilidade”, pondera.

Desenvolvimento com foco na realidade local

“Mais da metade do Brasil é negro. Não se pode falar em sociedade convivial quando um contingente tão grande é excluído”, criticou Judson Nascimento

O pesquisador de pós-doutorado Judson Nascimento, do Programa Avançado de Cultura Contemporânea (PACC/UFRJ), abordou o tema das comunidades conviviais e da necessidade de dissociar a ideia de desenvolvimento do conceito de crescimento econômico. “O desenvolvimento tem outras dimensões. O Brasil já teve o sexto maior PIB do mundo e era apenas o 76º lugar no Índice de Desenvolvimento Humano (IDH). Precisamos de tecnologias que se aproximem das necessidades das pessoas. Mais da metade (54%) do Brasil é negro (pretos e pardos). São mais de 100 milhões de pessoas. Não se pode falar em sociedade convivial quando um contingente tão grande é excluído”, avalia o pesquisador, doutor em Engenharia de Produção pela Coppe.

Especialista na gestão situada de incubadoras sociais, Judson citou exemplos de tecnologias sociais como o projeto Olhares em Foco, voltada para fomentar a discussão de problemas locais por meio da fotografia; o movimento Black Money, que busca o incentivo a afroempreendedores jovens; a Incubadora Afrobrasileira, que leva conhecimento de gestão a pessoas economicamente vulneráveis.

A gestão situada deve levar em consideração a realidade daquele público, deve aliar desenvolvimento local e sítio simbólico de pertencimento. Que leve em consideração a realidade. “É o que faz a Conectora de Oportunidades, que leva conhecimento de gestão de negócios e mentoria para jovens da Comunidade de Campos Elísios, em Duque de Caxias. Com o apoio da Petrobras, que também apoiou a Incubadora Afrobrasileira por 12 anos, a Conectora identifica as demandas dos empreendedores locais e estabelece as conexões necessárias para atendê-las”, explica Judson.

O evento teve ainda reflexões sobre arte contemporânea; a invisibilidade imposta às mulheres diante da hegemonia da presença masculina; a necessidade de repensar a arquitetura e o urbanismo face aos novos modos de presença propiciados pela tecnologia e a participação cidadã na governança, ampliada pelas redes sociais e pela interatividade em tempo real.