Pós-pandemia: economistas defendem maior presença do Estado e novo pacto social
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Data: 17/04/2020
A reindustrialização do país e a formulação de um pacto social mais inclusivo foram algumas das propostas defendidas pelos economistas Eduardo Moreira e Márcio Pochmann durante o debate promovido pelo Fórum Virtual da Coppe/UFRJ, “O Brasil após a pandemia”, nessa quarta-feira, dia 15 de abril. No debate transmitido na página da Coppe no Facebook, os economistas discutiram o tema “Indústria, Produção e Emprego”. O vídeo está disponível na página da instituição no YouTube.
“A incerteza afasta o investimento”, afirmou Eduardo Moreira, no início do debate. Segundo o economista, o cenário já era de incerteza mesmo antes do advento da pandemia de Covid-19. “O ano de 2019 já tinha sido frustrante, o conflito comercial entre Estados Unidos e China fez o mundo fechar algumas portas para o comércio, e o crescimento global ficou aquém do esperado. Incerteza no mercado gera retração no investimento. Investir é abrir mão da riqueza presente pela expectativa de riqueza futura”, afirmou acrescentando que a maioria dos países reduziu as taxas de juros o máximo possível para tornar o investimento o mais convidativo. “No entanto, Keynes dizia que você pode levar o cavalo à água, mas não pode forçá-lo a beber, e este estímulo não foi suficiente”.
Autor do best-seller “Encantadores de Vidas”, Moreira lembrou que as crises recentes (2008 com o subprime e a crise dos mercados emergentes nos anos 1990) foram financeiras e podiam ser resolvidas com alavancagem. “Não é o caso da crise atual. Essa é causada por inimigo invisível, comum a todos, e que afeta tanto o lado da oferta quanto o da demanda. Enquanto isso não for solucionado, a economia não volta ao normal. Não adianta jogar dinheiro na economia se o vírus continua lá fora. Até quando vai durar? Nesse tempo, o que deixará de ser produzido? Não sabemos, as projeções são díspares, e a incerteza gera ciclo vicioso que afunda cada vez mais a economia”.
Na opinião do professor da Unicamp, Marcio Pochmann, a crise demonstra a inviabilidade de o mercado resolver o momento pelo qual o mundo atravessa. Assim, iniciativas que passem pelo Estado ganham proeminência. “Estamos vendo a dissolução das relações capitalistas, o desmonte de relações que sustentam o capitalismo, a paralisia do circuito débito-crédito. Sem intervenção do Estado, haverá paralisia dessa relação”, complementou.
Segundo Pochmann, está em xeque a formação de cadeias globais de produção conduzidas por transnacionais. Causa estranheza reconhecer que os EUA não conseguem produzir insumos relativamente simples, estando completamente dependente da China. O mundo pós-pandemia será um mundo que questionará a trajetória atual da globalização. Será um mundo de maior acirramento na geopolítica. A polarização entre EUA e China não será atenuada, pelo contrário”, afirmou o professor.
Novo pacto social que beneficie a todos
De acordo com Eduardo Moreira, crises não têm solução, têm travessia, e a atual não é econômica, tem efeitos econômicos. “O governo tem a tarefa de facilitar a travessia, deixar próximas as peças do tabuleiro. Permitir que elas estejam de pé no momento da retomada. Os países precisam do Estado, ele tem legitimidade para impor medidas. Então, os países criam políticas que aumentam a interferência do Estado na economia e sua capacidade de ajudar os mais fracos. E se você exige sacrifícios de todos em uma situação de crise, ao seu fim você tem que oferecer um contrato social que beneficie a todos. Assim, surgiu o Welfare State (Estado de bem-estar social)”.
No entendimento do ex-presidente do Ipea, há diversas implicações do distanciamento social que deverão ser analisadas, dentre elas o impacto que a limitação dos deslocamentos traz, por exemplo, à cadeia produtiva do setor de turismo. “Cerca de 13% do PIB francês depende do turismo e o turismo praticamente desapareceu. Como será reconstruída essa cadeia de valor?”, perguntou Pochmann.
Questionado por internautas que acessaram a transmissão na página da Coppe no Facebook sobre o possível fim do neoliberalismo, Márcio Pochmann disse não acreditar nessa hipótese, embora goste da possibilidade. “Em 2008, os defensores da austeridade foram unânimes em defender intervenção do Estado. Atualmente, as TVs mostram economistas que eram contra e agora defendem novamente a intervenção estatal. Mas é um socialismo dos ricos para ajudar banqueiros e empresários. Logo em seguida (passada a crise financeira de 2008), voltaram a advogar a austeridade. Acredito que o mesmo possa ocorrer agora. Esperamos um pacto que proteja os pobres, mas passada a crise, pode haver uma retomada da austeridade”.
“A pandemia acentua algo que já vinha tomando corpo, regressão neocolonial, o desaparecimento da indústria brasileira, a desarticulação do sistema produtivo. O Brasil era a quarta potência industrial no início dos anos 2000. Atualmente, somos a 11ª. Estamos sendo empurrados para serviços de baixa complexidade e agropecuária”, lamentou o professor da Unicamp.
Projeto civilizatório e o erro de estratégia atual
Para Márcio Pochmann, a polarização entre petistas e antipetistas foi substituída por uma polarização entre barbárie e civilização. “Conseguirmos formar uma maioria política interessada em criar um projeto de médio e longo prazo é o desafio fundamental para superarmos o projeto elitista de regressão neocolonial por um em que todos caibam no orçamento”, afirmou o professor, que também defendeu a ampliação da capacidade de endividamento dos estados, controle das importações para internalização de cadeias produtivas e uma “quarentena dos capitais para deter fuga de capitais”.
Na avaliação de Eduardo Moreira, o Brasil precisa de um plano estratégico e tem vantagens comparativas que lhe permitem traçar uma estratégia exitosa de desenvolvimento, como um grande mercado consumidor, abundância de recursos minerais e terras agricultáveis, além de grande extensão litorânea. “Temos que fazer como a China, internalizar cadeias de suprimento, dependermos menos do mundo e usar o mundo como alavanca de crescimento”.
O economista cobrou ainda uma reforma tributária que torne a arrecadação mais justa. “O Brasil é o país que menos paga tributos sobre lucros e dividendos e cobra muito do consumo. Então, tributa mal, tributa mais os pobres do que os ricos, e a maior parte desse dinheiro vai para pagamento de juros sobre dívida, vai mais para ricos do que para pobres. E esse dinheiro vai ser poupado novamente, em vez de reinvestido. A gente pega o dinheiro de maneira errada, usa de maneira errada e isso não é otimizado para a sociedade”, criticou.
Para o ex-sócio do Banco Pactual, “não basta ajudar as micro e pequenas empresas com crédito barato, é necessário preservar as grandes empresas que demandam seus serviços. Tomemos o exemplo da Petrobras: muitas empresas dependem dela para prestar serviços e fornecer insumos. O sucesso da Petrobras puxa as demais. Quando a Petrobras fecha fábrica de fertilizantes no Paraná, não apenas desemprega como leva mais um insumo da cadeia de suprimento a ser importado. Cada vez menos riqueza fica contida no país. Então, eu me pergunto: isso é um erro de estratégia, ou, como disse o Pochmann, é a estratégia?
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