Professor Coimbra: o eterno rosto da Coppe

Planeta COPPE / Notícias

Data: 29/01/2019

O professor Alberto Luiz Coimbra (1923-2018) já tinha perenizado a sua contribuição para a universidade brasileira com a criação da Coppe/UFRJ, a sua organização no tripé – excelência acadêmica, dedicação exclusiva de professores e alunos e aproximação com a sociedade –, que a tornou referência nacional, e o crescimento da mesma, tornando-a a maior instituição de Engenharia da América do Sul. O seu nome foi eternizado em 1995, quando em justa homenagem, a Coppe passou a se chamar Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia.

No dia 14 de novembro do ano passado, o professor Coimbra teve também a sua imagem imortalizada, com a inauguração de uma escultura, na entrada do bloco G, do Centro de Tecnologia, prédio no qual dirigiu a instituição desde que a Coppe se instalou, em 1967, na Cidade Universitária.

Falecido em 16 de maio de 2018, aos 94 anos, o criador da Coppe teve seus traços reproduzidos com maestria em um busto de aço inoxidável, afixado à parede. A escultura, que reproduz com fidelidade uma icônica fotografia do professor Coimbra, sentado em uma cadeira, de braços cruzados, à frente do prédio do Centro de Tecnologia 2 (CT2) foi feita pelo artista plástico autodidata Casanova, nome artístico do gestor público Oseias Nunes Ferreira, funcionário técnico-administrativo da Fundação de Apoio à Escola Técnica (Faetec).

A obra, complexa pelo seu detalhamento, requereu que o artista fizesse dois moldes a partir da fotografia: um, de argila, e outro, de gesso. “O molde de argila não foi apenas para ter a referência visual. Dele, eu tirei todas as medidas de todas as partes do rosto. A base de tudo foi matemática. Estabeleci um perímetro em 3D, e podia rebater as medidas a partir de cada peça que eu fazia”, relata Casanova.

“Fiz a textura da sobrancelha com pontos de solda. Tenho que dar pontos com a solda, não posso correr a solda direto para não danificar o aço. É meio que um jogo de xadrez”, explica Casanova.

Segundo o artista, outro fator de complexidade, é que o aço ao ser misturado ao cromo, torna-se resistente à corrosão (austenítico, na linguagem da corrosão), e esta camada passiva que lhe confere a resistência pode ser danificada durante o trabalho. Para conferir maior resistência ao trabalho, Oséias escolheu aço 304, em alguns locais com 1,0 mm de espessura e em outros, 2,0 mm.

A escultura, que pronta é uma peça única, resultou da sondagem de diversas peças meticulosamente medidas para retraçar linhas de expressão, detalhes do nariz, rugas, curvas do pavilhão auricular (orelha). Para este trabalho mais minucioso, Oséias usou solda com argônio (gás de proteção para a soldagem TIG, que utiliza tungstênio e um gás inerte para formação de um arco elétrico) e solda com eletrodo revestido.

A técnica usada exige destreza do artista, mas permite o acabamento mais detalhista. “Fiz a textura da sobrancelha com pontos de solda. Tenho que dar pontos com a solda, não posso correr a solda direto para não danificar o aço. É meio que um jogo de xadrez. A testa, por exemplo, eu fiz a partir de vários segmentos, várias peças. Para formar uma esfera, entra na geometria dos curvos. Faz vários triângulos e eles vão se encaixando e você vai dando formato. Eu fazia os triângulos e rebatia as medidas com os moldes de argila e gesso. A partir daí, com pedaços de papel paraná, eu repetia os moldes, um por um, rebatia as medidas”, complementa Casanova.

Na opinião do diretor de Planejamento, Administração e Desenvolvimento Institucional da Coppe, professor Ericksson Almendra, as linhas de solda da escultura ficaram imperceptíveis. “O que me impressiona é que a técnica empregada pelo Casanova responde pela dimensão geral. Mas, a aparência vai além disso. Você reproduzir o volume da cabeça a partir de pequenos triângulos é uma coisa, traçar com detalhe a fisionomia de um rosto específico é outra coisa”, elogia o professor do Programa de Engenharia Metalúrgica e de Materiais.

Talento engajado: uma herança quilombola

Com um interesse pelas artes reprimido desde a infância, Oséias descobriu o seu dom em um dos momentos mais difíceis de sua vida, quando um acidente de trabalho (Oséias era motorista de caminhão e operador de carga pesada) lhe deixou hospitalizado, e com risco de perder os movimentos da mão direita.

“Eu tive a possibilidade concreta de ficar deficiente e devido a isso, negro, periférico, deficiente, ia ficar legal né? Aí pedi papel e lápis e comecei a tentar escrever com a mão esquerda. Como no desenho os traços são mais largos, comecei desenhando. Os desenhos que fiz no hospital, um amigo levou para uma exposição. Depois eu resgatei a mobilidade com muita escultura, muito trabalho”, explica o escultor.

Segundo Oséias, a sua família, por ter origem humilde, não entendia o valor da arte. “Meu pai era trabalhador braçal e minha mãe era doméstica. Quando comecei a trabalhar com arte eles tomaram um susto. Meu pai trabalhava como pedreiro, e eu trabalhei um tempo como seu ajudante. Numa das obras, havia um barranco imenso, com saibro. Um dia eu peguei o saibro e fiz uma escultura. Ele perguntou quem tinha feito, eu disse que tinha sido eu, ele ficou em silêncio”, relembra.

“O meu pai foi menino de rua, nos idos da década de 1950, na Bahia. Ele fez o próprio registro e escolheu o sobrenome Nunes Ferreira. Quando conheceu sua família, ele descobriu o sobrenome Casanova. Como já não tínhamos como inserir o nome, pois ele já tinha feito o registro, eu coloquei o nome Casanova como nome artístico”, conta o artista.

A escolha não poderia ter sido mais auspiciosa, pois como Oséias descobriu mais tarde, o talento vinha de berço. “Muito tempo depois, quando eu já estava expondo os meus trabalhos, a minha mãe me contou que meu avô tinha sido escultor. Minha mãe era quilombola, eles eram descendentes de angolanos. E o meu avô era artífice de marcenaria”, rememora Oséias.

Natural de Duque de Caxias (RJ), 50 anos de idade, Casanova já divulgou o seu trabalho em cerca de 40 exposições de charges, pinturas e esculturas, tendo conquistado diversos prêmios, dentre os quais o do Salão de artes do Exército, em 2013, e do 4º Salão de Artes de Niterói, em 2016. Pela sua qualidade como artista e por sua militância na causa negra, foi agraciado com a medalha Zumbi dos Palmares e o título de Conselheiro Municipal de Defesa dos Direitos do Negro e Promoção da Igualdade Racial e Étnica de Duque de Caxias (Comdedinepir).