Respirando líquido – COPPE e Universidade de Dresden desenvolvem projeto para combater insuficiências respiratórias
Planeta COPPE / Engenharia Biomédica / Notícias
Data: 01/10/2002
Um método inovador para combater a Síndrome da Angústia Respiratória do Adulto (SARA) provocada por doenças como pneumonia, pancreatite aguda, e sepsis (infecção generalizada) está sendo desenvolvido por pesquisadores da COPPE e da Universidade de Dresden (Alemanha). A técnica consiste em introduzir, nos pulmões do paciente, perfluorexano – uma substância líquida – que facilita a absorção do oxigênio. Em janeiro de 2003, experimentos com animais fazendo uso desta técnica terão início no Laboratório do Programa de Engenharia Biomédica (PEB) da COPPE.
O fato de o perfluorexano ser volátil estimulou os pesquisadores a testar seu emprego por intermédio de equipamentos convencionais utilizados em procedimentos anestésicos e usuais em qualquer centro cirúrgico. Para realizar os testes, a COPPE já instalou um equipamento hospitalar de administração de anestesia, fruto do convênio com a Alemanha. “Caso a viabilidade da técnica seja comprovada, seu uso poderá ser facilmente implementado, sem grandes custos. Em termos de inovação tecnológica, isso representa uma grande vantagem”, destaca o pesquisador Marcelo Gama Abreu, da Universidade de Dresden, ex-aluno de mestrado da COPPE.
Abreu defendeu em 1992 sua dissertação de mestrado no Programa de Engenharia Biomédica da COPPE, sob a orientação do professor Antônio Giannella Neto, e doutorou-se em medicina, com ênfase em Anestesiologia, pela Universidade de Heidelberg, em 1997. O pesquisador, que há 10 anos reside na Alemanha, esteve na COPPE recentemente para ajustar os detalhes da parceria. Neste trabalho, a COPPE terá forte contribuição nos campos da espectrometria de massa e processamento de sinais.
As pesquisas contam com o apoio da DFG (principal órgão alemão de fomento a ciência e tecnologia) e vêm se desenvolvendo através de intercâmbio entre pesquisadores da Universidades de Dresdren, COPPE / UFRJ, Estocolmo (Suécia) e Washington (EUA).
Da fabricação da bomba à preservação da vida
Segundo Abreu, o emprego de substâncias do grupo de perfluorbonos vem sendo pesquisado há 170 anos. Em 1942, houve um grande salto devido ao projeto Manhattan, ligado a geração da bomba atômica. O objetivo, na época, era absorver, com o uso destas substâncias, os isótopos radioativos produzidos em determinadas etapas de fabricação da bomba. Explica o pesquisador que o perfluorexano tem uma grande capacidade de dissolver outras substâncias, funcionando como uma espécie de “caverna química”, em que as moléculas de outros elementos podem se alojar entre seus intervalos moleculares, sem estabelecer uma ligação química. Em outras palavras, ele não reage, permanecendo inerte. Esta característica conduziu a aplicações para fins médicos, devido a possibilidade de servir como armazenador de oxigênio e gás carbônico, além de permitir a dissolução de antibióticos e dispor de propriedades anti-inflamatórias.
A idéia que tem movido os cientistas é fazer uso da diluição de gases no perfluorexano, utilizando-o como facilitador da troca gasosa que se opera nos pulmões. Isto foi comprovado por diversos estudos internacionais, sendo que um dos mais famosos foi realizado por Clark, cientista americano, que em 1966 demonstrou a viabilidade de vida de um ratinho imerso em recipiente com perfluorcarbono enriquecido com oxigênio. Ele provou que era possível um mamífero estabelecer a troca gasosa em meio líquido.
Ventilação líquida
Esta experiência permitiu, mais tarde, realizar uma ventilação líquida total em pacientes com insuficiência respiratória, que tinha precárias condições de sobrevivência através da ventilação mecânica convencional de mistura gasosa. A opção deste tipo de “ventilação líquida”, entretanto, exige um equipamento muito sofisticado, que providencia a circulação do meio líquido entre o pulmão e membranas externas, localizadas no equipamento, e que fazem o enriquecimento do perfluorexano com oxigênio a extração do CO2, de forma análoga a um processo de hemodiálise. Este equipamento, em fase experimental, é de popularização remota, devido ao seu alto custo e complexa operação. Marcelo observa que o paciente tem de estar sob anestesia geral para ter seu pulmão totalmente preenchido pelo perfluorexano.
As dificuldades da ventilação líquida total conduziram a uma solução intermediária, em que se realiza a combinação do meio líquido com o meio gasoso. O pulmão seria preenchido com líquido, mas o paciente estaria conectado ao ventilador mecânico convencional, que atua com misturas gasosas. Esta técnica, aparentemente simples, só veio a ser proposta nos anos 80, por pesquisadores americanos, entre eles, Fuhrman. No entanto, verificou-se algumas dificuldades, entre elas a possibilidade do líquido ocasionar lesão no pulmão, por não ter a mesma compressibilidade que o ar. Marcelo Abreu explica que a densidade do perfluorcarbono é aproximadamente duas vezes a da água, e que ao ser derramado dentro no pulmão produz um peso elevado, se comparado ao peso do ar. Isto poderia levar a uma compressão dos vasos sangüíneos com comprometimento circulatório.
A desvantagem desta técnica, combinada às propriedades fisico-químicas de alguns perfluorcarbonos levou a idéia de aplicação do vapor desta substância. De acordo com Marcelo, a que mais se ajusta a este propósito é o perfluorexano, que possui uma pressão parcial de vapor tão alta quanto outras substâncias usadas em anestesia. Marcelo retorna ao Brasil, em 2003, para atuar nestas pesquisas em parceria com o professor Antonio Giannela no Laboratório de Engenharia Pulmonar do PEB/COPPE. Ele prevê para janeiro o início de experimentos com animais, dando continuidade a projetos já iniciados pela Universidade Técnica de Dresdren, vinculados a Clínica de Anestesiologia e Terapia Intensiva.