Sinergias entre as metas de descarbonização dos setores marítimo e de aviação
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Data: 29/10/2021
As metas de descarbonização da aviação e da navegação internacionais podem ser complementares, caso sejam adotadas algumas rotas de produção de combustíveis líquidos derivados de biomassa ou do hidrogênio, ao invés de alternativas que exigiriam uma readequação da frota, no curto para o médio prazo. Essa é a conclusão de estudo, coordenado pelos professores Alexandre Szklo e Roberto Schaeffer, da Coppe/UFRJ, sob demanda do Instituto Clima e Sociedade (ICS). O estudo foi conduzido pelo Cenergia, laboratório vinculado ao Programa de Planejamento Energético (PPE) da Coppe/UFRJ, e contou com a participação de quatro professores (Szklo, Schaeffer, Joana Portugal Pereira e Pedro Rochedo) e cinco doutorandos do PPE (Clarissa Bergman, Eduardo Müller-Casseres, Francielle Carvalho, Pedro Luis Maia e Rebecca Draeger).
O estudo foi dividido em duas etapas, a primeira, de avaliação das rotas tecnológicas de coprodução de combustíveis alternativos para uso na aviação e no transporte marítimo de longa distância; e a segunda, de análise da possível adoção destas rotas, dentro de cenários macroeconômicos prospectivos e com adoção de metas de descarbonização setoriais, utilizando modelos de avaliação integrada (IAMs), desenvolvidos na Coppe. As conclusões foram apresentadas em três seminários, promovidos pelo iCS, nos dias 24 de junho,3 de setembro e 28 de outubro de 2021.
Devido à dificuldade de vincular emissões que ocorrem em águas internacionais a países específicos, o transporte marítimo internacional foi abarcado por metas de mitigação climática em 2018. Naquele ano, a Organização Marítima Internacional (IMO), vinculada à ONU, estabeleceu uma estratégia de descarbonização do setor. Tal estratégia traduz-se em algumas metas, entre as quais se destaca a intenção de atingir, em 2050, uma redução absoluta de 50% das emissões de Gases de Efeito Estufa (GEE) do setor em comparação ao ano de 2008. A Associação Internacional de Transporte Aéreo (IATA), por sua vez, propôs uma meta de redução de 50% das emissões de GEE até 2050, com base no nível de emissões de 2005.
De acordo com Alexandre Szklo, tanto a navegação quanto a aviação internacionais são considerados hard-to-abate – setores nos quais a mitigação de emissões de GEE é muito difícil. “Só eficiência energética e medidas operacionais, ainda que necessárias, não dão conta das metas, no horizonte de 2050. Por isso, a importância de combustíveis ditos drop-in, aqueles ajustáveis e adaptáveis à logística e à motorização atuais”.
O estudo demonstrou a sinergia entre as metas de descarbonização de ambos os setores, com a coprodução de combustíveis drop-in associados ao transporte de aviação internacional e combustíveis apropriados ao transporte marítimo de longo percurso. O consumo de combustível para navegação é o dobro do para aviação internacional no Brasil (o que torna o país diferente do mundo), mas, segundo os autores, o combustível de aviação tem um maior prêmio de preço frente ao óleo bruto do que o bunker para navegação.
“Várias plantas que estão sendo implementadas ou desenhadas para produção de querosene de aviação a partir da biomassa coproduzem frações adequadas ao combustível de navegação internacional, da mesma forma plantas projetadas para produzir diesel de biomassa podem coproduzir querosene de aviação”, esclareceu Szklo.
Segundo o professor, há desafios importantes para uso do hidrogênio ou de eletricidade-baterias na aviação de longo percurso. A par questões associadas à segurança e volume ocupado, além de mudanças na motorização e logística, “O querosene de origem mineral, assim como aquele obtido a partir de rotas alternativas já certificadas responde por até 10-20% da massa máxima de decolagem de uma aeronave. Outras alternativas poderiam ultrapassar o limite dessa massa (caso, por exemplo, do uso de H2 comprimido a 700 bar)”.
Visão integrada das rotas tecnológicas e cenários macroeconômicos
De acordo com o professor da Coppe, a vida útil média das embarcações, 30-40 anos, e aeronaves, de 25 a 35 anos, faz com que a frota atual deva continuar em operação por muitos anos, “então não temos como fugir da utilização de combustíveis do tipo drop-in”. Segundo Szklo, cinco aeroportos já fazem testes com combustíveis de aviação sustentáveis: Oslo e Bergen (Noruega), Estocolmo (Suécia), Los Angeles (EUA).
“Mudar os combustíveis usados nesses setores é um elemento-chave na sua descarbonização. Em uma perspectiva de avaliação integrada, há uma série de biocombustíveis que são muito promissores, enquanto alternativas drop-in. Respeitamos a posição daqueles que apostam no uso do hidrogênio ou amônia, mas é urgente avaliar e promover combustíveis aplicáveis à frota existente e não a embarcações e aeronaves que somente estarão disponíveis em 2040 ou 2050”, afirmou o professor Roberto Schaeffer.
De acordo com Schaeffer, na primeira etapa do estudo, os pesquisadores do Cenergia avaliaram a possibilidade de utilização de óleos vegetais, microalgas, cana de açúcar, milho e outras biomassas. “Avaliamos ainda a possibilidade de eletrocombustíveis e de tecnologias necessárias para converter essas fontes de carbono e hidrogênio em combustíveis apropriados para navegação e aviação, Hidrogenação catalítica, oligomerização, síntese de Fischer-Tropsch, eletrólise para produção de hidrogênio e posterior síntese de amônia”.
“Na segunda fase, usamos um de nossos modelos de avaliação integrada, o Brazilian Land-Use and Energy Systems Model (Blues) para atender todas as demandas de bens e serviços da economia brasileira até 2050, que incluem consumo de energia, as emissões decorrentes da produção que atenderá a esta demanda, e também a demanda por petroquímica, produtos agrícolas e água. O Blues é um modelo de otimização com a descrição bastante detalhada do sistema energético brasileiro e de uso do solo”, relatou Roberto Schaeffer.
Segundo Schaeffer, o IAM é alimentado com os detalhes técnicos das diferentes rotas tecnológicas a serem estudadas e também cenários macroeconômicos, como projeções de PIB e de elasticidade-renda, demanda por aviação doméstica e por aviação internacional. “Dentro do modelo Blues, as diferentes rotas estão bem representadas, suprindo a demanda estimada e podendo ser usadas no cumprimento das metas de descarbonização, levando também em conta a pressão por uso de solo. Traçamos cenários com e sem metas compatíveis com a IMO, a IATA e o Acordo de Paris. Também avaliamos casos em que o Brasil se torna grande exportador de biocombustíveis. Trabalhamos com dois cenários para a navegação internacional, um de baixa e outro de alta demanda, mantida a participação brasileira no comércio internacional e sua pauta atual”.
Para evitar “explosão combinatória”, a equipe do Cenergia se concentrou em quatro cenários: cumprimento da meta da IATA; cumprimento da meta IMO; cumprimento simultâneo das metas IMO e IATA; e o Brasil em um mundo “bem abaixo dos 2º” de aquecimento, sendo que neste último cenário os pesquisadores usaram os IAMs Computable Framework For Energy and the Environment (Coffee) e Total Economic Assessment (Tea), em vez do Blues, para ver qual seria o orçamento de carbono possível para o Brasil.
O professor do Programa de Planejamento Energético defendeu o uso da logística do setor de óleo e gás para biomassa. “A entrada de biomassa nas refinarias, para coprocessamento, é uma estratégia para aumentar a vida útil dessas unidades e também para reduzir a sua ociosidade. Querosene de aviação a partir de biomassa gera quantidades significativas de biobunker. Plantas HVO-diesel (óleo vegetal hidrotratado, conhecido como ‘diesel verde’), por sua vez, coproduzem querosene de aviação. O coprocessamento se torna útil para os dois setores”, concluiu Schaeffer.
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