Modelo criado na Coppe gera um dos cenários destacados em relatório do IPCC
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Data: 28/04/2022
Modelo de avaliação integrada (IAM, na sigla em inglês) desenvolvido por pesquisadores da Coppe/UFRJ gerou um dos cinco cenários de mitigação escolhidos pelo Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) para serem destacados em seu último relatório, divulgado no dia 4 de abril. Batizado com o nome Coffee, o modelo criado na Coppe é até hoje o único desenvolvido em país em desenvolvimento capaz de simular cenários globais de mitigação das mudanças climáticas.
Fruto de trabalho conjunto de 278 cientistas de 65 países, o relatório do IPCC explorou mais de dois mil cenários globais de mitigação de efeitos do aquecimento global. Somente cinco foram escolhidos como Illustrative Mitigation Pathways (IMPs), ou cenários de mitigação ilustrativos. De acordo com Roberto Schaeffer, professor do Programa de Planejamento Energético (PPE) da Coppe, os IMPs apresentam “histórias de mundo” relevantes para se tentar manter o mundo não mais do que dois graus ou mesmo 1,5º C mais quente até o final do século.
Segundo Schaeffer, o cenário elaborado por pesquisadores do laboratório Cenergia, do Programa de Planejamento Energético da Coppe, denominado “IMP-Neg”, tem a peculiaridade de conseguir manter a temperatura média do planeta em até 1,5º C, acima dos níveis pré-industriais, até o final do século, para isso recorrendo bastante a práticas ou tecnologias de emissão negativa, como reflorestamento, aforestamento, biomassa com captura de carbono (BECCS) e biomateriais.
“Pela primeira vez na história do IPCC há cenários globais de mitigação vindos de um grupo de pesquisa de país em desenvolvimento, e, mais do que isso, tendo um cenário de país em desenvolvimento incluído no grupo seleto de ‘cenários ilustrativos’. Isso é realmente um grande reconhecimento internacional do nosso trabalho no laboratório Cenergia, da Coppe”, avalia Roberto Schaeffer, que coordena o Cenergia, conjuntamente com os professores André Lucena, Alexandre Szklo, Joana Portugal Pereira e Pedro Rochedo.
Pesquisadores da Coppe apontam cenário ambicioso sem perder o realismo
O IPCC explorou cerca de 1600 cenários globais, após uma primeira triagem, separando-os em oito categorias, de acordo com o grau de aquecimento global que seria atingido ao final do século. “As três primeiras categorias (C1, C2, C3) são aquelas nas quais seriam atingidas as metas propostas pelo Acordo de Paris: limitar o aquecimento global a 1,5º ou 2º C acima dos níveis pré-industriais até 2100.
A categoria C1 é a mais ambiciosa. Nela a elevação de temperatura não superaria 1,5º C em nenhum momento, até o final do século. A C2, apontada pelos pesquisadores da Coppe, é ambiciosa sem perder o realismo. Nesse cenário o aquecimento não excederia 1,5º em 2100, porém haveria overshooting durante o processo, ou seja, o aquecimento superaria este patamar antes do final do século, mas seria compensado por medidas de mitigação com altos níveis de emissões negativas, o que faria a temperatura média do planeta retornar à meta de 1,5º até 2100. Já a categoria C3 implica em o aquecimento global chegar a 2º C em 2100, sem overshooting”.
Segundo o professor Roberto Schaeffer, o cenário IMP-Neg permite o overshooting, mas passa a depender de emissões negativas a partir da segunda metade do século. É um cenário mais realista do que aqueles da categoria 1. “Até pela nossa experiência com a realidade brasileira, o cenário confere maior peso às emissões negativas”, explica o coordenador do capítulo 3 do relatório.
“Internamente, chamamos o nosso cenário de Coffee 400F. Ele tem esse nome pois a equipe do Cenergia ‘orçou’ que para que a temperatura não exceda 1,5º (acima dos níveis pré-industriais) em 2100, as emissões globais de CO2 até 2100 não podem ultrapassar 400 gigatoneladas (por isso, 400 f, onde f representaria full budget, orçamento total) até o final do século. Atualmente, são emitidas, anualmente, cerca de 50 Gt CO2. Mantido este ritmo, em apenas oito anos esse limite de emissão de carbono seria atingido”, complementa.
Além do IMP-Neg, foram criados outros quatro cenários de mitigação ilustrativos. Ao todo são cinco IMPs: dois de um grupo da Alemanha, um de um grupo da Áustria, um de um grupo da Itália, e o do grupo do Brasil, feito aqui na Coppe. “Os IMPs são o coração do relatório do IPCC”, avalia o professor.
Coppe em destaque no IPCC
Dez pesquisadores brasileiros participaram do relatório como coordenadores de capítulos, autores-líderes e revisores, sendo cinco da Coppe. O professor Roberto Schaeffer, do PPE, coordenou o capítulo 3, Mitigation pathways compatible with long-term goals juntamente com Keywan Riahi (Áustria); e a professora Suzana Kahn, do Programa de Engenharia de Transportes (PET), coordenou o capítulo 10, Transport, juntamente com Paulina Jaramillo (EUA) e Paul Newman (Áustralia).
A professora Joana Portugal Pereira (PPE) é uma das autores-líderes do capítulo 4, Mitigation and development pathways in the near-to mid-term. O professor André Lucena, também do PPE, está entre os autores-líderes do capítulo 9, Buildings, e a pesquisadora Carolina Dubeaux, do Centro Clima (PPE), é uma das revisoras do Capítulo 8, Urban systems and other settlements. O relatório conta ainda com a participação de pesquisadores da Coppe como colaboradores e como cientistas-de-capítulo.
Chamado à ação imediata
De acordo com o relatório, para concretizar a meta de limitar o aquecimento global em 1,5º C ao final do século, as emissões globais de CO2 precisariam ser reduzidas em 45% até o final da década. No entanto, mantida a tendência atual, as emissões aumentarão 14% neste prazo.
Em comunicado oficial, o ex-primeiro ministro português e atual secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, afirmou que “devemos triplicar a velocidade da mudança para as energias renováveis. Isso significa transferir investimentos e subsídios de combustíveis fósseis para renováveis, agora. Na maioria dos casos, as energias renováveis já são muito mais baratas. Isso significa proteger florestas e ecossistemas como poderosas soluções climáticas. Significa progresso rápido na redução das emissões de metano. E isso significa implementar as promessas feitas em Paris e Glasgow”.
Mesmo que os países atinjam as metas de seus compromissos climáticos nacionais mais recentes (NDCs), a diferença entre as emissões globais de GEE e o nível necessário para o limite de 1,5°C seria de 19 a 26 GtCO2e em 2030. Isso é mais do que as emissões de Estados Unidos e China somadas (números de 2018).
O IPCC mostra que reverter essa tendência exige que os tomadores de decisão nos governos, na sociedade civil e no setor privado priorizem diversas ações, tais como: expandir o uso de energia limpa, toda a geração de eletricidade deve ser de baixo carbono até 2050; investir em inovação para descarbonizar a indústria; melhorar a eficiência energética; reduzir a demanda de materiais por meio de soluções de economia circular; implementar tecnologias de captura e armazenamento de carbono em setores nos quais a redução de emissões é mais difícil (como na indústria do cimento); redesenhar as cidades e fazer a transição para o transporte de zero e baixo carbono; e conservar os ecossistemas naturais e melhorar os sistemas alimentares.
“Na categoria 1 (limitar o aquecimento em 1,5º C sem overshooting), todos os cenários mostram que o mundo precisa chegar em 2025 com emissões de carbono já em trajetória decrescente. Tecnicamente, é possível. Politicamente? O relatório é um chamado à ação imediata. Os relatórios anteriores prescreviam prazos mais longos, o que levava os governantes a agirem aquém do necessário, deixando para os sucessores o ônus da mudança mais acelerada. Ao alertar que o turning point está próximo, as pressões recaem para que os governantes ajam no exercício de seus mandatos atuais, que eles ajam agora”, esclarece o professor Roberto Schaeffer.
- IPCC