Pesquisadores da Coppe desenvolvem programa que propicia autonomia a portadores de deficiência auditiva

Planeta COPPE / Engenharia de Sistemas e Computação / Notícias

Data: 13/04/2021

Um programa desenvolvido na Coppe/UFRJ poderá beneficiar portadores de deficiência auditiva, propiciando-lhes maior autonomia no estudo e no trabalho. Trata-se do LIBRASOffice, um aplicativo projetado especificamente para auxiliá-los no uso de um pacote de softwares, livre e gratuito, equivalente ao Microsoft Office, denominado LibreOffice, que oferece editor de texto e editor de planilhas, dentre outros.

O LIBRASOffice surgiu de uma demanda de 2015 para auxiliar no treinamento de 20  pessoas com deficiência, das quais um terço  portadoras de deficiência auditiva, contratadas pela Fundação Coppetec (que administra os projetos da Coppe), no âmbito do projeto Coppe Inclusão. Embora dominem a Língua Brasileira de Sinais (Libras), os deficientes auditivos apresentam limitação para ler em português. Essa limitação estava dificultando o treinamento dos contratados para exercer suas funções, em sua maioria administrativa.

Para enfrentar o problema, estudantes e pesquisadores, sob a coordenação do professor Henrique Cukierman, do Programa de Engenharia de Sistemas e Computação (PESC) da Coppe, desenvolveram um software voltado especificamente para esse usuário, propiciando autonomia e dispensando a presença de intérprete ou instrutor para o uso do computador.  O projeto foi desenvolvido no Laboratório de Informática e Sociedade Laboratório de Informática e Sociedade (LabIS) e faz parte de um projeto de extensão que leva o mesmo nome do laboratório.

Segundo Ricardo Jullian, aluno de doutorado da Coppe, o programa tornará mais eficazes futuros treinamentos. “Sem ele seria necessário contratar seis ou sete intérpretes para realizar a capacitação de aproximadamente 10 profissionais contratados, o que inviabiliza o projeto”, afirmou.

Um projeto que iniciou com uma demanda local, poderá beneficiar milhões de pessoas em todo o País. “O trabalho realizado foi “apaixonante” para todos os envolvidos. O aplicativo pode resultar em um impacto muito grande para esse público. Afinal, são 12 milhões de pessoas surdas ou parcialmente surdas no País. O potencial de beneficiários é muito grande”, comemora o professor Cukierman.

Um dos profissionais contratados pela Coppe e capacitados pela Fundação Coppetec, com treinamento em LibrasOffice, João Uelington, considerou o programa uma  forma de intermediação importante entre o ouvinte (pessoa com capacidade auditiva plena) e o surdo para ajudar na interlocução entre ambos nas atividades de trabalho. Funcionário da Gerência de Recursos Humanos (GRH) da Fundação, João compartilhou o conhecimento do software com seus colegas. “Até mesmo alguns ouvintes já utilizam o software. O treinamento no LibrasOffice foi uma experiência muito boa. Seria interessante o uso ser expandido na UFRJ, para que mais pessoas conheçam esse programa”, afirmou.

Outro funcionário da Coppe que passou pelo treinamento, Adilson Rodrigues, que exerce função administrativa no Engepol, considera positiva a iniciativa da instituição em buscar auxiliar a comunicação entre ouvintes e surdos. Para ele, o Libras Office, “deve ser mostrado em palestras, para que surdos e ouvintes conheçam sua importância”.

O programa já foi testado com sucesso na Faculdade de Letras da UFRJ, nas aulas de introdução à informática no curso de Letras Libras, em 2018. Os intérpretes consideram que o programa, por ser um software bilíngue (português e Libras), é útil também para as pessoas que interagem com os surdos, pois podem expandir o seu vocabulário de Libras, e ajudar o ouvinte a aprender. “Minha mãe adorou o programa. Ela disse ‘aproveita, que essa experiência vai ser boa pra você’, e ela mesma está usando em casa”, relata João.

Na ocasião, João e Adilson eram também alunos do curso de Letras Libras. Ambos utilizavam o LibrasOffice diariamente, no trabalho e mesmo em casa, evidenciando a autonomia conferida pelo software. “É minha responsabilidade organizar planilhas, então o programa me auxilia a usá-las com maior independência”, enfatiza João Uelington.

Já licenciado como software livre, o LibrasOffice já se encontra disponível em https://librasoffice.cos.ufrj.br para Microsoft Windows e para ambiente Linux.

Concepção do programa começou na sala de aula

O LibrasOffice foi desenvolvido durante uma disciplina oferecida pela Coppe/UFRJ a alunos de graduação do curso de Engenharia de Computação e Informação da Escola Politécnica. Coordenados pelo professor Cukierman, os estudantes Jônathan Elias Sousa da Costa e Eduardo de Mello Castanho desenvolveram o software, que começou a ser concebido em sala de aula e concluído no Laboratório de Informática para a Educação. O projeto também contou com a colaboração de Fernando Severo e Pedro Braga, atualmente doutorandos da Coppe. Na época, ambos eram mestrandos.

“Essa disciplina segue o conceito de pedagogia por projeto. Cada grupo de estudantes deve, ao final do semestre, entregar um protótipo cujo tema traga benefícios para uma comunidade. A proposta deve ser dos próprios estudantes. Cada grupo apresenta um Mínimo Produto Viável (MVP, na sigla em inglês), que pode ser um site, um software ou um aplicativo”, explica Cukierman.

Na avaliação do professor da Coppe, este talvez tenha sido o mais avançado Mínimo Produto Viável (MVP) apresentado na disciplina. “O usuário fica mais independente, mais autônomo. Facilita o seu aprendizado e também sua atuação profissional”, complementa Jonathan.

Programa beneficia surdos e intérpretes

Segundo Jônathan Elias, o primeiro protótipo era muito simples. Ele usava apenas uma interface de programação de aplicações (API, sigla em inglês) do LibreOffice e disponibiliza um menu à parte com a animação feita pelo VLibras (programa desenvolvido pela Universidade Federal da Paraíba para a tradução do Português para Libras). O menu exibia gifs com sinais em Libras correspondentes a itens de comando do Calc, programa de planilhas eletrônicas equivalente ao “Excel” no LibreOffice”, explica o estudante.

Mas, havia muitos comandos ainda sem sinais correspondentes em Libras na biblioteca de mídia do VLibras, além de alguns itens cuja tradução não era consensual na comunidade. Os primeiros testes de usabilidade mostraram uma enorme preferência por sinais gravados por gente em vez das gifs animadas, Para aperfeiçoar o programa e torná-lo ainda mais amigável ao usuário, a equipe coordenada por Cukierman teve a colaboração de estudante surdo como bolsistas de extensão do LabIS, além de estudantes de graduação com bolsas de extensão do LabIS e de estudantes de graduação com bolsas de iniciação científica da linha de pesquisa em Informática e Sociedade (PESC). O processo de desenvolvimento contou com o apoio de Sheila Oliveira, professora da prefeitura do Rio de Janeiro e professora bilíngue da prefeitura de Niterói que atua em um projeto de educação voltado para esse público, realizado em ambos os municípios.

“Precisávamos traduzir a barra inteira e alguns sinais que não são consenso na comunidade. Há regionalismos nas Libras. Libras/SC é diferente da Libras/RJ. Então deixamos os próprios usuários decidirem qual sinal usar para cada funcionalidade. Esse é o pulo do gato, deixar o usuário se apropriar da ferramenta. Se ele não concordar com o sinal, poderá escolher um sinal que lhe seja familiar e incluí-lo no sistema, filmando a si próprio no celular, por exemplo, e gravando o vídeo no banco de dados”, relata Fernando Severo, que hoje é aluno de doutorado da Coppe.

Adilson Rodrigues admite que a possibilidade de que surdos e ouvintes possam subir os vídeos é de grande ajuda, justamente pela existência destes regionalismos. “Alguns sinais têm de ser padronizados, mas em relação a outros, há uma questão cultural, então dois gestos diferentes podem representar a mesma coisa”, concorda o funcionário do Engepol.

“Em uma aula ‘cuspe e giz’, um intérprete resolve. Mas em uma aula com mais interatividade, mais dinâmica, é preciso ter uma ferramenta que permita maior autonomia para o aluno. Como fazer múltiplas atividades com alunos, se não tivéssemos Libras no próprio software? Como fazer se professor e aluno não dominarem bem a língua um do outro? A ideia é a possibilidade de criar um recurso de comunicação, utilizando como  recurso tecnológico, a informática”, explica Severo.

Mais informações podem ser obtidas no site do projeto (https://librasoffice.cos.ufrj.br), onde é possível realizar o download do software, receber comentários e sugestões (inclusive de novos sinais), e entrar em contato com a equipe de desenvolvimento.

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