Política industrial e compras governamentais na superação dos desafios tecnológicos

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Data: 23/06/2020

O diretor da Coppe, professor Romildo Toledo, destacou que a Coppe pode colaborar na criação de um complexo industrial da Saúde. “Temos interação com a indústria e um conjunto de expertises que podemos reunir nas Engenharias Mecânica, Sistemas, Biomédica, dentre outras”

Uma política industrial ativa, focada nas vocações tecnológicas do país, no poder de compra do Estado e na flexibilização das regras de contratação de Engenharia são elementos fundamentais para o Brasil enfrentar os desafios tecnológicos nacionais no pós-pandemia. Esse foi o entendimento dos debatedores que participaram do fórum virtual “O Brasil após a pandemia”, no último domingo, 21 de junho.

Esta edição teve a participação do diretor da Coppe/UFRJ, professor Romildo Toledo; do reitor da USP, professor Vanhan Agopyan; o professor do Programa de Engenharia Oceânica da Coppe, Segen Estefen e o vice-presidente de Engenharia e Tecnologia da Embraer, Daniel Moczydlower. O evento contou com a mediação do professor Luiz Pinguelli Rosa, da Coppe, e foi transmitido ao vivo no Facebook está disponível na página da instituição no YouTube.

Na avaliação do reitor da USP, professor Vanhan Agopyan, a pandemia tirou os cientistas de suas zonas de conforto. “Já tínhamos desafios tecnológicos pré-pandemia, mas avançávamos de maneira mais tranquila. A pandemia nos trouxe novos desafios. A pequena competitividade das empresas brasileiras se perderá se não acelerarmos nosso processo de mudança. Tecnologia não se compra. O que se compra é uma versão N-1, N-2. Mesmo as subsidiárias utilizam uma versão defasada daquilo que é utilizado na matriz. Ou somos partícipes desse desenvolvimento tecnológico ou não seremos competitivos”.

“A competição entre as indústrias se transformará em colaboração entre as indústrias. Para que possamos ressurgir fortes da pandemia. Prevalecerá a ideia de cooperação entre concorrentes. Mas, eu estou preocupado com a postura do nosso empresariado. Da mesma forma que não entendia que tecnologia não se compra, se desenvolve. Não está atento à velocidade das mudanças”, alertou o professor Vanhan.

Para o diretor da Coppe, professor Romildo Toledo, a pandemia expôs uma série de problemas causados pela falta de uma política industrial, tanto em nações desenvolvidas quanto em países em desenvolvimento. “Os Estados Unidos já não têm mais a sua indústria local, ela está offshore. Não foram capazes de produzir lá os equipamentos e insumos que precisavam. O mercado, essa entidade mágica que tudo valora, foi um fiasco para as high techs. As empresas de biotecnologia americanas e europeias não souberam responder à crise. Ou não têm compromisso algum com o Estado de bem-estar social e só têm com o lucro imediato”, criticou.

Segundo o professor Romildo, os países que lidaram melhor com a Covid-19 tiveram aconselhamento científico. “Mas a solução era medieval, da época da peste negra: afastamento social e limpeza. Não teve inovação e quem não adotou essa solução da Idade Média teve os piores resultados. É o caso do Brasil, que vive uma situação esdruxula, pois nós já sabíamos o que viria, o vírus chegou aqui depois, e já chegamos a 50 mil mortes. Se foi por economia, não fez sentido algum, pois já estamos no quarto mês de afastamento social”.

“Vejo a necessidade da criação de um complexo industrial da Engenharia de Saúde.  A Coppe pode colaborar para isto. Temos interação com indústria, a Fundação Coppetec e a Incubadora de Empresas. Temos parceria com a Faculdade de Medicina e o Complexo Hospitalar e temos um conjunto de expertises que podemos reunir nas Engenharias Mecânica, Sistemas, Biomédica, dentre outras”, propôs o diretor da Coppe.

Professor Romildo listou então iniciativas desenvolvidas pela Coppe no enfrentamento ao novo coronavírus. “Estamos produzindo os ventiladores pulmonares de exceção, um esforço grande da UFRJ, da USP, da Marinha. Ainda estamos tomando uma coça dos setores de controle, de pedidos de documentos. Falta compromisso da indústria para alocar produção. Vencemos os estágios TRL, de amadurecimento tecnológico, de 1 a 9 para produzir mil ventiladores. Os recursos chegaram, a Alerj apoiou, Itaú apoiou, mas precisamos de vontade política, de política de Estado”.

“Também produzimos software para planejar política de afastamento, covidímetro, teste sorológico. Tudo isso em tempo recorde. As pessoas estão trabalhando incessantemente e o governo cobrando ponto eletrônico de quem está trabalhando remotamente e o ameaçando cortar adicionais de insalubridade e periculosidade porque foram afastadas do trabalho presencial. O ministro de Ciência e Tecnologia não apareceu em hora alguma. Nem naquela reunião dos palavrões. Não ouvimos uma palavra de pedido de apoio a quem produz inovação”, criticou professor Romildo.

De acordo com o professor Romildo Toledo, a União Europeia está preparando um plano de recuperação econômica no valor de 750 bilhões de dólares. “Criarão seis milhões de empregos na área da construção civil, aumentando a eficiência energética das construções. Provavelmente vão usar biomateriais, as fibras vegetais de que tanto falamos. Vão investir pesado em energia renovável, armazenamento de energia, aí entra energia do hidrogênio e pensamos no trabalho que o professor Paulo Emílio de Miranda faz na Coppe. A UE já tem 200 mil pontos de pontos de carregamento para ônibus elétrico e pretende chegar a um milhão. Precisamos migrar para essa transição, nós temos tecnologia e conhecimento. Temos grande universidade distribuídas pelo país, não é só UFRJ e USP. Temos UFRGS, UFMG, UFMG, UFBA, UFSC” enumerou.

Política industrial sustentável a longo prazo

“Esse pensamento de cada um faz apenas aquilo no que é mais competitivo não se aplica na área da saúde. Os países abdicaram da capacidade de produzir os insumos necessários”, criticou o professor Segen Estefen

Na opinião do professor Segen Estefen, o Brasil sofre com uma sociedade destroçada pela pandemia e pela falta de governo, e para se recuperar deverá apostar nas suas empresas e setores econômicos mais competitivos. “A Petrobras tem potencial para diversificar muito as suas atividades, para criar e fomentar tecnologia. Mostrou isso quando foi ao mar e descobriu as reservas no pré-sal que geram mais de 70% do petróleo do país, isso é fantástico para um investimento em longo prazo. A visão de que a empresa deve apenas retirar petróleo é uma visão míope, ela pode ir muito além. Uma empresa como a Petrobras deve pensar estrategicamente a transição energética. Temos uma tendência à eletrificação e a ida dela ao mar faz da Petrobras uma candidata a liderar a geração de energia nos oceanos”.

Para Segen, a Vale está aquém do seu potencial, por falta de uma política industrial que coloque em seu entorno companhias que possam processar o minério e dar sequência à linha produtiva. “O Brasil ganharia muito se além de exportar minério puder exportar materiais semiprocessados”, avaliou o professor que criticou a excessiva especialização das cadeias produtivas. “Esse pensamento de cada um faz apenas aquilo no que é mais competitivo não se aplica na área da saúde. Os países abdicaram da capacidade de produzir os insumos necessários aos seus sistemas de saúde”.

“Não conheço país que o Estado não seja partícipe da inovação, inclusive pela compra governamental”, destacou o reitor da USP

O professor Vahan evitou criticar o empresariado por não investir em inovação e buscou entender os motivos deste comportamento. “Para investir em algo que só dará retorno em longo prazo, tem que ter estabilidade econômica e segurança jurídica. Não sou economista, mas vejo que estabilidade é algo que não conseguimos manter. A segurança jurídica também é complicada. Houve avanços, como a Lei do Bem, a Lei da inovação, mas qual industrial brasileiro sensato é capaz de usar essa legislação se em dois anos pode aparecer um fiscal e aplicar uma multa que a leve a insolvência? Temos empresários refratários, mas temos alguns que são modernos e querem investir, mas como convencer os acionistas a fazer um investimento pesado para retorno em 10, 15 anos”, questionou o reitor da USP.

“Não critico o empresário, é preciso ter uma política que lhe confira segurança. Não é política de governo, é de Estado, como tem todos os países industrializados. Não conheço país que o Estado não seja partícipe da inovação, inclusive pela compra governamental. É assim nos Estados Unidos e Europa. O próprio MIT recebe 85% do seu orçamento do governo”, ponderou professor Vanhan Agopyan.

Para Daniel Moczydlower, os investimentos em Educação, Ciência e Tecnologia são determinantes para um país se manter competitivo no cenário global, distribuindo riqueza e oferecendo dignidade à sua população. “As palavras-chave são sustentabilidade e previsibilidade dos investimentos. Precisa de investimento em longo prazo, seguro e estável, para colhermos os resultados em longo prazo. Os países olharão com mais cuidado para algumas indústrias. É preciso pensar em mecanismos para apoiar de maneira sustentável esses segmentos”, afirmou o vice-presidente de Engenharia e Tecnologia da Embraer.

Superando o “Vale da Morte”

“Os países que superaram o Vale criaram mecanismos de política industrial e o Estado encomenda tecnologia”, frisou Daniel Moczydlower

Na avaliação de Moczydlower, o Brasil obteve reconhecimento internacional em Ciência, compatível com o peso do país como uma das maiores economias do mundo, mas não conseguiu ainda traduzir essa Ciência de qualidade em tecnologia. “São poucas as empresas nacionais com centros de pesquisa estabelecidos no país e capazes de gerar produtos tecnologicamente inovadores. Em foros como a MEI (Mobilização Empresarial pela Inovação) e ANPEI (Associação Nacional de Pesquisa e Desenvolvimento das Empresas Inovadoras), a gente tem discutido como fazer o Brasil avançar em rankings de inovação. Estamos atrás de muitos países de porte médio, mas apesar de muito debate não estamos conseguindo superar esse gap”.

Segundo o vice-presidente da Embraer, existe no desenvolvimento tecnológico um “Vale da morte”, uma zona intermediária na elaboração de um produto inovador, em que o risco é muito alto para a maioria das empresas e está além da vocação das universidades. “Os países que superaram o Vale criaram mecanismos de política industrial e o Estado encomenda tecnologia. O decreto 9283 permite que seja praticado no Brasil. Podemos usar o poder de compra do Estado para alavancar segmentos nos quais o país demonstre vocação. Mas, não podemos cair na armadilha de que teremos sucesso em todas as indústrias, é preciso fazer escolhas”, alertou o doutor em Engenharia Química, formado pela Coppe.

Moczydlower destacou a necessidade de o país rever as normas de compras públicas para que tenha a flexibilidade necessária na contratação de Engenharia ou tecnologia. “A Engenharia merece flexibilidade que estimule a adoção de tecnologias inovadoras e vá além da questão do menor preço. Melhor preço não deveria se confundir com menor preço”.

“Há o mito de que o Vale do Silício é feito com private equity, com capital de risco. Caso pensemos um desenvolvimento icônico do Vale como o Iphone, diversos elementos tela multitouch, microchips, sistemas de memória, todas remetem a contratações feitas por órgãos governamentais. Não é mão invisível, é política de Estado bem planejada e pensada que atrai os melhores cérebros”, enfatizou o vice-presidente de Engenharia e tecnologia da Embraer.