Novos diretores da Coppe defendem enfrentamento da crise e construção de um futuro sustentável e sem medo
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Data: 07/08/2019
Desenvolvimento com sustentabilidade, reversão da desindustrialização do país, enfrentamento aos cortes orçamentários, e construção de um futuro sem medo foram destaques nos discursos de posse dos professores Romildo Toledo e Suzana Kahn Ribeiro, escolhidos pela comunidade da Coppe/UFRJ para conduzir a instituição até 2023. Associando realidade e otimismo, o novo diretor convocou a todos para uma luta conjunta em prol da Universidade e do País, arrancando aplausos e levantando a plateia que lotou o auditório da Coppe, dia 2 de agosto.
O evento foi conduzido pela reitora da UFRJ, professora Denise Pires de Carvalho, e contou com a presença na mesa do vice-reitor, professor Carlos Frederico Leão Rocha; o decano do Centro de Tecnologia, professor Walter Suemitsu; e o ex-diretor da Coppe, professor Edson Watanabe.
Em seu discurso, Romildo Toledo criticou a ameaça à continuidade dos projetos de C,T&I representada pelos sucessivos cortes orçamentários, que em sua opinião podem ser a “ponta do iceberg com o qual o país poderá colidir”. O governo federal contingenciou mais de 30 bilhões de reais do orçamento aprovado para este ano, sendo R$ 6,2 bilhões na Educação, e R$ 1,9 bilhão na Ciência, Tecnologia e Inovação. “No MCTIC esse contingenciamento representa cerca de 42% do seu orçamento inicial de R$ 5 bilhões que já é menos da metade do orçamento que foi gasto há dez anos”, destacou.
“É, portanto, imperioso mudar esse rumo. Já está mais do que na hora do governo entender que os investimentos em C&T&I são essenciais para o desenvolvimento industrial e social do país. Vamos derreter mitos que vêm sendo divulgados para endossar teses inverídicas em prol de intenções nada republicanas. Nos países desenvolvidos, a maior parte do dinheiro que financia a Ciência e a pesquisa na universidade não é privado, é público. Inclusive nas universidades que cobram mensalidades. Nos EUA, 60%, de acordo com dados da National Science Foundation (NSF), e na Europa 77%, segundo estatísticas da União Europeia. No Canadá, 55% a 60% e na China, 40% a 45%”, afirmou o novo diretor da Coppe.
Segundo o diretor da Coppe, em três décadas o Brasil passou por um dos maiores processos de desindustrialização do mundo. “Esse setor, que chegou a representar 21% do nosso PIB, hoje não passa de 12%. Nos anos 80, o parque industrial brasileiro correspondia a 4,11% da indústria mundial. A China, na época, tinha uma participação de 1,65%. Nos anos 90, a China superou o Brasil e em 2015 já respondia por 1/5 de toda a produção industrial do planeta, de acordo com estudo realizado pela Brookings Institution”, contextualizou o professor.
No entanto, ao contrário do parceiro asiático, o Brasil retrocedeu na complexificação econômica de sua economia. “Em 2014, 50% das exportações brasileiras já estavam restritas a cinco produtos: ferro, soja, açúcar, petróleo e carnes. Como ressaltou o economista sul-coreano Ha-Joon Chang em recente entrevista ao El País, ‘os países dependentes de commodities não conseguem controlar o seu destino’”, criticou o diretor.
Romildo ressaltou que as instituições de ensino e pesquisa precisam do apoio da sociedade para mudar o curso dos eventos. “Precisamos mostrar à sociedade as competências e forças que ela já possui, nas quais ela investiu nessas últimas décadas, e que são seus principais aliados para essa virada: as universidades públicas e todo o sistema de Ensino, Ciência e Tecnologia que foi construído com muito esforço em nosso País”.
“Não existe natureza grátis”
A professora Suzana Kahn, destacou que quando as fundações da economia tradicional foram criadas, não existia uma percepção clara dos limites dos ecossistemas. “Na era da economia de Adam Smith e David Ricardo, as mudanças climáticas e a perda da biodiversidade, por exemplo, não representavam sinais de estresse. A ciência evoluiu para melhor entender as pressões humanas nos sistemas naturais e seus limites, mas a teoria econômica, mercados financeiros e até mesmo a nossa própria percepção, não acompanhou tal evolução. A de que não existe natureza grátis”.
“Nós estamos passando por um período de grande descontentamento. E como mencionou Oscar Wilde, ‘o descontentamento é o primeiro passo para o progresso de um homem ou de uma nação’. Sendo assim, acredito que a atual situação possa até ser de alguma serventia”, ponderou a vice-diretora.
Suzana enfatizou que o progresso depende da Ciência e da Tecnologia, mas ressaltou que a percepção contemporânea acerca do progresso não se restringe à mera acumulação de bens. “A percepção de progresso vem evoluindo com o tempo desde o Iluminismo, que foi uma era exuberante em termos de ideias, ligadas fundamentalmente por quatro temas: razão, ciência, humanismo e progresso. Nos dias de hoje, temos escassez de todos os nossos recursos naturais e a forma de continuarmos um desenvolvimento com maior qualidade e responsabilidade com as gerações futuras será por meio do uso eficiente dos mesmos, do reuso, da regeneração do ambiente, ou ainda da substituição dos recursos finitos. Tudo isso com a inclusão, nesse processo de desenvolvimento, de toda a sociedade e não apenas de uma parcela dela”, explicou.
Para a vice-diretora da Coppe, a ciência pode e deve direcionar as decisões políticas de médio e longo prazo, em especial no caso de estratégias de desenvolvimento “Não se questiona mais um desenvolvimento que não seja sustentável, e aí vale lembrar que a sustentabilidade vai muito além do quesito ambiental ‘stricto sensu’, trata-se também de aspectos econômicos, sociais, culturais e humanos. Eu vejo nossa instituição como um importante agente na construção de um país mais desenvolvido, sustentável e menos desigual”, afirmou Suzana.
Críticas ao Future-se
Na cerimônia, todos comentaram sobre o “Future-se”, o programa recém-lançado pelo governo federal com a justificativa de “aperfeiçoar a gestão das universidades federais e lhes garantir recursos extras.”
“O programa foi apresentado sem qualquer discussão prévia com a comunidade acadêmica e, em particular, com os reitores das universidades. Além disso, o prazo para sua discussão estabelecido na consulta pública lançada pelo MEC foi extremamente curto (até meados do mês de agosto)”, criticou o professor Romildo.
Segundo o diretor da Coppe, a análise inicial do projeto traz dúvidas preocupantes quanto à autonomia universitária, garantida pelo artigo 207 da Constituição Federal. “Estranhamos ainda a ausência das nossas fundações de apoio no programa, uma vez que as mesmas têm prestado relevantes serviços às nossas instituições e de pesquisa, já que atendem cerca de 130 entidades e gerenciam mais de cinco bilhões de reais por ano em projetos de P&D&I”.
A reitora da UFRJ, professora Denise Pires de Carvalho, destacou que os três eixos do Future-se: gestão, governança e empreendedorismo; pesquisa e inovação; internacionalização; já são feitos na UFRJ há décadas e que neste sentido o programa não traz novidade. Segundo Denise, a preocupação se dá com o garrote orçamentário, que não é enfrentado pelo Future-se. “O programa não diz como haverá aumento no financiamento de curto prazo. Ele apenas prospecta a possibilidade de aumento no financiamento no longo prazo, sequer no médio prazo”, avaliou a professora. “Nós (gestores das universidades federais do Rio de Janeiro) pedimos ao ministro da Educação que três premissas fossem garantidas pelo governo: autonomia, somos instituições de Estado e não de governo; contratação exclusiva por concurso público para desempenho de atividade-fim; garantia de financiamento público”, acrescentou.
Esperança e utopia
O presidente da Academia Brasileira de Ciências (ABC), Luiz Davidovich, ressaltou que os cortes orçamentários representam um duplo desafio à Ciência brasileira. “Temos um problema duplo. O corte de verbas ameaça as universidades públicas e ameaça as pesquisas, pois o corte atinge também a Capes, o CNPq e a Finep, que são digamos o adubo para a geração futura de pesquisadores”.
“A outra ameaça é a atitude anticiência que vem percorrendo diversos escalões do governo. Isso é muito ruim. Negar números, negar evidências. Isso precisa ser corrigido com urgência. O País precisa ter no governo pessoas que criem políticas públicas baseadas em evidências científicas”, acrescentou Davidovich.
Segundo professor Davidovich, o Brasil precisa olhar a experiência internacional. “As grandes empresas americanas pressionam o Congresso para dar dinheiro público e financiar pesquisa básica e aplicada, de forma que as empresas se concentrem nos produtos, o que é menos arriscado. Isso mostra inteligência”, destacou o presidente da ABC, que disse ser, a exemplo do decano do Centro de Tecnologia, professor Walter Suemitsu, um realista esperançoso. “Cabe lembrar que o substantivo esperança não vem do verbo esperar e sim de esperançar, que significa agir, atuar, militar para que se alcance aquilo que deseja. Inclui a ideia de ação no sentido de construir o futuro”, complementou.
Para o professor Ildeu Moreira, presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), as universidades e as instituições de pesquisa têm de fazer um trabalho de comunicação mais adequado para a população que merece e tem o direito de saber o que é feito nas instituições públicas. “Isso não significa que a gente não reconheça que há falhas em todo o processo. Isso é natural, mas o fundamental é destacar a importância que a universidade tem e é isso que está em causa: a importância das instituições públicas e da pesquisa no Brasil. Não abrimos mão de colocar isso claramente e reivindicar verbas para que o governo agora possa colocar no orçamento desse ano e para o ano que vem”, reforçou Ildeu.
Professor Romildo concordou que as universidades e institutos de pesquisas enfrentam tempos difíceis, mas convidou o público presente a enfrenta-los sem medo. “Como homens desses tempos, não podemos fugir deles. Muitos dizem que sou sonhador. É que na minha vida aprendi que para realizar é preciso antes sonhar, ter sob a mira utopias. Cabe a nós enfrentarmos os desafios e construir um futuro sem medo. Peço, então, emprestadas as palavras de Eduardo Galeano para definir utopia: ‘ela está no horizonte. E se está no horizonte, nunca vamos alcançá-la. Porque se caminho dez passos, a utopia vai se distanciar dez passos, e se caminho vinte passos, a utopia vai se colocar vinte passos mais além. Ou seja, sei que jamais vou alcançá-la. Então para que serve? Para isso, para caminhar’”.