O desafio é crescer mantendo a matriz energética renovável

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Data: 20/04/2017

“O consumo de energia per capita brasileiro é menor que o argentino. A projeção é que em 2030 alcancemos o patamar em que o Chile está hoje, inferior ao atual consumo da Grécia. O desafio é crescer a economia, mantendo a matriz renovável, sabendo que o aumento do bem-estar gera aumento no consumo, e que há uma enorme massa de desfavorecidos a incluir socialmente”. A ponderação foi feita pelo professor Maurício Tolmasquim, que proferiu a Aula Inaugural do Programa de Planejamento Energético (PPE) da Coppe, dia 27 de março, sobre o tema “O Brasil e o Acordo de Paris: combatendo a mudança climática através da promoção da energia renovável”.

De volta à Coppe/UFRJ, após um período de 14 anos no qual foi secretário-executivo do Ministério de Minas e Energia (de 2003 – 2005), e presidente da Empresa de Planejamento Energético (EPE) (de 2005 – 2016), o professor discorreu sobre a sua atuação na EPE, o panorama do setor energético brasileiro em médio e longo prazo, e as metas estabelecidas pelo país para combater as mudanças climáticas. Após a sua saída da EPE, Tolmasquim passou sete meses, em período sabático, na Universidade de Harvard (EUA), onde, a convite dessa universidade, se debruçou sobre os desafios para integrar as fontes renováveis intermitentes ao sistema elétrico.

Segundo projeções feitas pela EPE, o Brasil terá em 2030, 223 milhões de habitantes e a expansão projetada (em 2014) da demanda de energia é de 4,4% ao ano. Embora reconheça que alguns números devam ser revistos, em função da prolongada recessão pela qual o país passa – e que reprime a demanda por energia -, Tolmasquim considera que isso não muda o fato de que “há um enorme contingente de pessoas que consomem muito pouco e, com a retomada do crescimento econômico, à medida que forem avançando socialmente, haverá um aumento no consumo”.


Meta realista na proposta brasileira apresentada na COP 21

À frente da EPE, professor Tolmasquim coordenou os estudos que resultaram nas Contribuições Nacionalmente Determinadas (INDCs) apresentadas pelo Brasil na COP 21 (21ª Conferência das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas), à ocasião da assinatura dos Acordos de Paris, cujo objetivo é limitar o aquecimento global em 2ºC acima dos níveis pré-industriais.

As INDC propostas pelo Brasil foram de 37% de redução das emissões (relativas a 2005), em 2025, e 43% em 2030. O objetivo é ambicioso, haja visto que 40% da matriz energética brasileira é renovável, ao passo que entre os países da OCDE, a média é de apenas 13%. “Eu tive a preocupação de não exagerar a proposta brasileira. A proposta é economy-wide, não existe meta específica por setor da economia. Minha preocupação era ter uma meta ousada sem hipotecar o desenvolvimento futuro do Brasil. A proposta era colocar o país na vanguarda em termos de redução de emissões, mas com uma proposta que fosse factível. Foi passado à presidente (Dilma Rousseff) que as metas não colocavam um ônus capaz de cercear o futuro crescimento do país. A meta é realista? Sim, dada à riqueza de recursos naturais”, explica Tolmasquim.

Bons ventos para as energias renováveis

O futuro das energias renováveis se mostra promissor, segundo Tolmasquim. O país já produz em energia eólica o equivalente a usina de Belo Monte (11 mil megawatts) e outros 7 mil megawatts estão contratados até 2018.

O sucesso do setor está relacionado a um modelo de contratação de projetos de geração de energia, no qual o Brasil foi pioneiro: os leilões. “O Brasil foi o primeiro país do mundo a usar leilões para contratação de energia renovável. Na época, estive em um evento da Bloomberg e pensavam que nós éramos loucos, pois o modelo predominante era da tarifa incentivada. O modelo concilia duas coisas: competição para garantir o menor preço e contratos de longo prazo para reduzir o risco do investidor.  A garantia de receita assegurada pelo contrato dá tanta segurança que o último leilão de energia solar teve mais de 600 projetos inscritos”, avalia o professor.

Em 2015, o Brasil foi o quarto país a mais investir em energia eólica. Em uma das apresentações, anunciaram o “´pai dos leilões’  está aqui”. “Claro que o mecanismo de leilões já existia, mas inovamos ao utilizá-lo na contratação de energia renovável”, relata Tolmasquim. Graças a sua atuação nesta área, ele foi  incluído na lista dos ¨Thought Leaders¨ pela Recharge Magazine, e em 2014, a Wind Power Monthly, o incluiu entre na lista ¨global Top 30 People¨ dos setor eólico.

De acordo com o professor da Coppe, um estudo feito pelo governo federal estimava o potencial eólico brasileiro em 143 GW, mas o valor está subestimado. “Na época (em que foi feito o estudo) as torres alcançavam 50 m de altura, hoje os aerogeradores estão a 100m, alcançando ventos muito mais fortes. Acredito que o potencial seja o triplo”, avalia.

Mais hidrelétricas

Segundo dados da EPE, o Brasil ainda tem 260 GW de potencial de geração hídrica e utiliza somente 1/3 deste potencial. É o terceiro maior potencial hidrelétrico do mundo. Mas, o aproveitamento deste potencial, sobretudo com usinas com reservatório, é limitado por questões socioambientais.  “Mais da metade deste potencial está no bioma amazônico, e uma das dificuldades é física, pois a Amazônia é muito plana. Não há naturalmente local para fazer reservatórios, seria preciso construir diques e alagar áreas muito grandes. O risco, contudo, é de mesmo fora da Amazônia, não se construir mais usinas com reservatórios”, avalia o professor.

A EPE produziu em 2015 uma nota técnica intitulada “Estudos de planejamento da expansão da geração: Identificação e classificação de potenciais reservatórios de regularização”, que listou dentre 180 projetos, 25 com potencial relevante para o Sistema Interligado Nacional, e os dividiu em quatro categorias, de acordo com o impacto socioambiental. O estudo mostra que há ainda potencial a ser aproveitado nas regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste, sobretudo nas bacias dos rios São Francisco e Jequitinhonha (ambos em Minas Gerais) e rio Verde (Mato Grosso do Sul). “Justamente para colocar para a sociedade debater, se não vamos construir nenhuma usina com reservatório ou se faremos algumas dependendo do impacto”, explica Tolmasquim.

Apesar de impopular, o reservatório tem uma importância muito grande, à medida que se aumenta o uso de energia intermitente (solar e eólica), avalia Tolmasquim. “Funciona como uma bateria natural, estocando energia para quando for necessário. Penso que a própria Coppe poderia promover este debate, trazer entidades ambientais”.

Em relação à energia nuclear, o professor presume que ela não deverá receber muita atenção do governo federal, em função dos atrasos na construção de Angra III, e da disponibilidade de outros recursos naturais. “Mas eu acho que sempre devemos ter uma usina em construção. Mais pelo ponto de vista tecnológico do que pelo energético. O pessoal formado na época do acordo com a Alemanha já está se aposentando. Precisamos formar novas gerações de profissionais especializados. O Brasil não pode se dar ao luxo de abrir mão de uma tecnologia que já conquistou. Não se deve fechar a porta para nenhuma tecnologia, mesmo que ela não seja a mais interessante no momento. No entanto, enquanto não resolver o problema institucional é impensável falar em outra usina nuclear. Temos de achar um jeito de tornar a construção mais eficiente, custo e prazo menores”, pondera Tolmasquim.


O “pai dos leilões”

O professor Maurício Tolmasquim ingressou no governo federal em 2003, a convite da então ministra de Minas e Energia, Dilma Rousseff, para assumir a secretaria executiva do ministério. Uma de suas primeiras atribuições foi coordenar o grupo que elaboraria o novo marco regulatório para o setor elétrico.

“O modelo anterior não tinha sido robusto o suficiente para incentivar a capacidade instalada de geração, o que levou ao racionamento. Vimos a oportunidade de reformar o modelo de forma a dar mais incentivo aos investidores, atraindo o capital privado. Àquela altura o Estado não tinha mais condições de investir no ritmo necessário. E trazer mais segurança para os investidores”, relata o professor.

Em 2004, o modelo foi aprovado, transformado em medida provisória e depois em lei. “A base do modelo foi ter contratos de longo prazo, pois eles dão maior segurança para o investidor. Ao longo de 15, 30 anos, ele teria receita garantida, e o contrato era aceito pelo BNDES para conceder o financiamento, sem a necessidade de tantas garantias. Além do mecanismo de leilões, uma forma transparente para as distribuidoras comprarem energia”, explica.

Ao assumir o cargo logo após o “Apagão” e o racionamento de energia, ocorridos no final do governo do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, Tolmasquim constatou a necessidade de uma instituição que pensasse o planejamento, tanto em médio quanto em longo prazo. “Quando cheguei ao Ministério quase não havia quadros. Por incrível que pareça, havia muitos motoristas e poucos engenheiros. Muitos cargos comissionados, as pessoas iam embora quando mudava o governo. Era necessário ter uma instituição técnica com quadro técnico especializado de forma que quem assuma o governo tenha staff e tenha memória para dar continuidade às políticas de Estado, para não ter que recomeçar do zero”, relembra Tolmasquim.

Surgiu então a ideia de constituir a Empresa de Planejamento Energético (EPE). “O setor de infraestrutura você deve planejar com antecedência, porque as coisas demoram a acontecer. Três anos antes você precisa ter contratado a usina, porque senão ela não fica pronta. Você contrata a oferta antes que a demanda se estabeleça”, explica o professor.

Para Tolmasquim, é importante que o Estado tenha um órgão que disponha dos modelos, base de dados e seja ao mesmo tempo uma espécie de think tank, com funções de planejamento, de execução e de assessoramento ao governo na formulação de políticas. “A empresa tem o reconhecimento público, e mesmo com a mudança na presidência do país, ela se mantém central no planejamento do governo”, acredita.

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