Pesquisadores da Coppe e da Sorbonne debatem história e futuro da parceria com o Cern
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Data: 18/10/2023
A Coppe/UFRJ e a Universidade de Sorbonne promoveram o Workshop on Calorimetry in High-Luminosity Collisions, evento que celebrou os 35 anos de colaboração da Coppe com o Cern (Organização Europeia para a Pesquisa Nuclear), o mais importante laboratório de física do mundo. No workshop foram debatidas as novas possibilidades de atuação conjunta entre a Engenharia e a Física. O evento foi realizado nos dias 4 e 5 de outubro, na Coppe.
A Coppe tem uma longa e bem-sucedida história de cooperação com o Atlas, o maior experimento de detecção de partículas do Large Hadron Collider (LHC), o acelerador de partículas do Cern, com destaque para o sistema de filtragem online, Neuralringer, e para o conjunto de mais de trinta softwares utilizados pelos pesquisadores que atuam em três dos quatro principais experimentos de detecção de partículas do laboratório.
Segundo o professor José Manoel de Seixas, do Programa de Engenharia Elétrica (PEE), que coordenou o evento – conjuntamente com o professor Bertrand Laforge, da Universidade Sorbonne (França) – essa foi a terceira edição de uma série de workshops, sendo o primeiro em 2008, quando a parceria entre a Coppe e o Cern completou 20 anos. Foi a primeira reunião de pesquisadores que atuavam no calorímetro hadronico (o outro calorímetro do laboratório europeu é eletromagnético) fora do Cern.
“Em 2013, o Bertrand veio à Coppe e debatemos o cenário no qual estamos agora, com aumento da luminosidade do LHC, maior número de colisões, aumento na informação obtida, mais eventos físicos de interesse sendo gerados. Aí a Sorbonne se aproxima da gente e tem início essa sinergia entre essa usina de ideias desse laboratório de excelência em física de partículas com a capacidade do trabalho dos modelos e sistemas com os quais nós temos experiência. Há dez anos começamos a conversar e há sete anos surgiu esse casamento que segue em lua de mel”, relembrou Seixas, coordenador do Cluster Atlas/Brasil (que além da UFRJ, envolve USP, Uerj, UFBA, UFJF e UFRN).
De acordo com Seixas, em 2029, o LHC será chamado de HL-LHC (High Luminosity – alta luminosidade), devido ao aumento do número de colisões, o que vai trazer “um pandemônio para a área”. “Vai dobrar a aposta do pôquer e quem tem que resolver é quem está na colaboração. Estamos numa situação curiosa, pois a Coppe nesses 35 anos se tornou um parceiro da Física experimental, é muito raro o engenheiro ter esse papel protagonista, porque ele normalmente é colocado em um papel técnico quando atua na Física experimental”.
Na avaliação de Seixas, a Coppe assumiu esse singular protagonismo “por causa dessa ideia original do Zieli (professor Zieli Dutra foi o pioneiro da parceria) de que a Coppe poderia participar. Talvez por ele ser um físico em uma instituição de Engenharia, que tem essa pegada de tecnologia e inovação, ele viu esse caminho. Certamente é por causa dele que chegamos onde estamos, porque entramos não com papel técnico, mas de pesquisa”.
“Eu pude testemunhar, não necessariamente como professor, desde o começo e vi como Seixas abraçou o projeto e o capitaneou até onde ele chegou. É um privilégio para a Coppe ser anfitriã deste workshop e de uma parte importante desta parceria, para a qual centenas de alunos já contribuíram”, afirmou o vice-diretor da Coppe, professor Marcello Campos.
Novos desafios, novas oportunidades
A terceira temporada de colisões de prótons e aquisição de dados (Run 3) começou em 2023, mas foi interrompida, e voltará em 2024, provavelmente em abril. Conforme explica Seixas, a cada 25 nanossegundos ocorre uma passagem de feixe, o que equivale a 40 milhões de colisões de prótons por segundo, pois o feixe é como se fosse um “charuto” com pacotes de 1011 prótons x 1011 prótons. Os detectores de partículas, como o Atlas, foram projetados para 25 colisões a cada 25 nanossegundos. No momento, a luminosidade permite 60 colisões e a quantidade chegará a 200 no começo do Run 4, em 2029.
De acordo com o professor José Manoel de Seixas, os projetos de upgrade que visam o Run 4 vão produzir inovações sem precedentes na área, tanto em instrumentação eletrônica e detectores, bem como em algoritmos avançados para lidar com o aumento vertiginoso da luminosidade do LHC. “Este aumento da luminosidade produzirá um empilhamento de vários sinais nos detectores, exigindo novas concepções em física experimental. Por outro lado, tal crescimento da luminosidade propicia um volume de dados de colisão bem maior, possibilitando aumentar a probabilidade de se observar eventos ainda mais raros, o que é essencial para o objetivo do LHC”, esclarece.
“Primeiro formatamos a informação de mil células de calorimetria, em anéis concêntricos, isso se transforma em 50 ou 100 anéis que alimentam uma rede neural artificial para a tomada de decisão. Como haverá essa parte mais pesada em 2029, a ideia é que os anéis desçam e participem do chamado nível zero, mais próximo ao hardware, mover para a eletrônica embarcada, atuando também na detecção de fótons e na calibração de elétrons. Vamos produzir muito mais dados, teremos que ser mais rápidos e não poderemos coletar todos os anéis, só o que terá sinais que garantidamente não são ruídos”, complementa o professor da Coppe.
Segundo Seixas, o desenvolvimento dessa tecnologia será feito pela UFRJ junto com a Universidade Federal da Bahia (UFBA), a Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) e a Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF). “Por isso falo que esse arrasto científico e tecnológico é legal. Teremos também dois institutos federais do interior da Bahia trabalhando com a gente. A gente vai criando esses links e criando oportunidades, desconcentrando, trazendo esse pessoal que é muito qualificado. Traz o Nordeste e traz o interior. Com o Brasil se associando ao Cern, as oportunidades vão surgir cada vez mais”.
“O Atlas ‘se complicou’ e ao ‘se complicar’ trouxe mais oportunidades para a gente. É legal que não só ampliamos nossa participação em um momento-chave como criamos oportunidade para outras instituições. Muitos egressos do Laboratório de Processamento de Sinais (LPS) estão coordenando projetos de pesquisa relacionados ao Cern na UFJF, na UFBA, na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj). É bom trazer cada vez mais gente do funcionalismo público federal e estadual nesse bojo tecnológico, científico, tocando iniciativas complexas e de muita visibilidade”.
Em busca da matéria escura
De acordo com o professor Bertrand Laforge, coorganizador do workshop e coordenador do Laboratoire de Physique Nucléaire et des Hautes Énergies (LPNHE), a expectativa da parceria entre a Coppe e a Sorbonne é que “a conexão entre os pontos de vista da Física e da Engenharia trazem caminhos muito atrativos para solucionar problemas”. “O workshop foi pensado para desencadear discussões especiais sobre as novas ideias que vêm surgindo no Cern e é importante poder conversar com alunos da UFRJ que eu acompanho remotamente”.
Segundo Laforge, os sofisticados detectores instalados no Cern podem ser aperfeiçoados para que tenham uma melhor capacidade de reconstruir o tempo de colisão. “Outro aspecto é encontrar a física nova que é capaz de mudar o panorama da física, como a possível existência de partícula que pode produzir matéria escura, mas se desintegra tão logo surge e por isso é uma assinatura muito difícil de encontrar. Assim, a física nova pode estar sendo produzida e pode estar nos escapando. Isso confunde a física mais convencional. Então, precisamos de novos algoritmos para descobrir essas partículas de difícil detecção e permitir a seleção dessa nova física”.
“Eu trabalhei na construção do calorímetro eletromagnético, na procura do Bóson de Higgs, e uma ideia interessante que nos ocorreu é que a matéria escura não é composta por matéria conhecida, mas surge em decaimento do Bóson de Higgs. Como são complicados de produzir, aumentando a sua produção, é uma hipótese interessante a explorar. Não é apenas descobrir algo que existe, é descobrir se existe. Quanto mais formos capazes de produzir Higgs mais seremos capazes de sermos sensíveis à produção desses mecanismos”, complementa Laforge.
Segundo o professor Seixas, com o aumento de colisões para 200 a cada passagem de feixe, o LHC vai se tornar “uma fábrica de Higgs”. “Vai aumentar 10 vezes a ordem de grandeza do número de Higgs que são encontrados. Vai poder detalhar muito mais o Higgs. A fazenda de computadores vai receber um fluxo 10 vezes maior, então os algoritmos terão que ser pelo menos 10 vezes melhores. A nossa associação à Sorbonne nos trouxe essa discussão sobre a matéria escura, que sabemos que existe, mas não sabemos suas características”, avaliou o professor do Programa de Engenharia Elétrica.
A mesa de abertura do workshop contou com a presença do vice-diretor da Coppe, professor Marcello Campos; do superintendente de pesquisa da Pró-Reitoria de Pesquisa e Pós-Graduação (PR-2) da UFRJ, professor Felipe Siqueira; e do diretor do Instituto de Física (IF/UFRJ), professor Nelson Braga.
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