Aula Inaugural traz lição de empreendedorismo bem sucedido na universidade
Planeta COPPE / Institucional Coppe / Notícias
Data: 03/04/2018
O desafio de criar uma empresa de tecnologia, a partir de uma ideia inovadora surgida no ambiente universitário, foi o tema principal abordado na Aula Inaugural da Coppe/UFRJ, proferida pelo professor Berthier Ribeiro-Neto, da Universidade Federal de Minas Gerais. A escolha do assunto reflete a necessidade ressaltada pelo diretor da Coppe, professor Edson Watanabe, de formar mais alunos com mentalidade e capacidade empreendedora, diminuindo o gap existente entre a pesquisa acadêmica, na qual o país se sai bem, entre os 15 melhores do mundo, e a inovação, na qual o Brasil não vai tão bem e se encontra no 69º lugar em ranking internacional. A Aula partiu do exemplo do próprio Berthier, cofundador da Akwan Information Technologies, empresa que se tornou referência em serviços de busca e foi adquirida pela Google, em 2005, e em 2016 se tornou o Centro de Engenharia da Google na América Latina, dirigido pelo próprio Berthier.
O professor da UFMG relatou as dificuldades que vivenciou ao se tornar um empreendedor, o quanto aprendeu neste processo, os fatores determinantes para o seu sucesso, e recomendou aos alunos da Coppe que empreendam e à instituição que apoie seus alunos neste árduo caminho.
Segundo Berthier, a equação para implantar com sucesso uma startup, ou empresa nascente, reúne quatro elementos: ideia, paixão, proposição de valor e liderança de um empreendedor de verdade. “Sem o empreendedor, a chance de sucesso é praticamente nula. Criatividade, inventidade e ambição são importantes, porém insuficientes para que a empresa seja bem sucedida. Os melhores empreendedores são aqueles que têm profundo conhecimento dos seus processos e produtos. Normalmente, quem desenhou e construiu os protótipos”.
O caminho do empreendedorismo: valiosas lições
De acordo com o professor, o empreendedor é alguém que não detém todo o conhecimento necessário de antemão, mas que aprende, no decorrer do processo. E precisa aprender rápido. “É na execução da ideia que você ganha consciência do que funciona ou não funciona. O seu produto ou serviço gera resultados de grande impacto quando o que você criou tem valor. E esse valor não é o que você acha que tem, é o que as pessoas do outro lado reconhecem”, explicou Berthier.
O caminho do empreendedorismo trouxe valiosas lições ao professor do departamento de Ciência da Computação, da UFMG. “Eu aprendi a ser mais tolerante, a me planejar melhor, a lidar com as pessoas no plano psicológico. Até mesmo com a família. Foi uma mudança profunda em um tempo muito curto, porque se você não achar respostas, o seu sonho morre”, relata.
Conforme relatou o palestrante ao público que compareceu ao auditório da Coppe na véspera da Semana Santa, a semente do seu empreendedorismo surgiu em 1999, quando trabalhava em recuperação de informação e participou do projeto de pesquisa “Sistemas de Informação em Ambientes Móveis“, para desenvolver um deliverable search engine, um mecanismo de busca na internet. Na época Berthier já havia publicado o best-seller Modern Information Retrieval.
A ferramenta de busca, chamada TodoBR, foi lançada em outubro de 1999, no domínio www.todobr.com.br, em um laboratório acadêmico. O tráfego (número de usuários) cresceu rapidamente. Dobrava a cada semana. A rede do departamento passou a cair constantemente devido ao número de acessos. “Precisávamos sair da universidade. Resolvemos nos reunimos com o reitor da UFMG. Jamais vou me esquecer dessa reunião. Criaram um protótipo no meu laboratório, no meu instituto, na minha universidade, e vocês querem levar para fora e pôr no nome de vocês, é isso? Então vocês vão ter que superar muitos obstáculos, rápido. E eu vou guiá-los. Se não fosse a resposta que ele deu, eu não estaria aqui hoje. As ações tomadas pelo líder em momentos críticos definem o futuro das instituições. Você não precisa pensar sozinho, mas na hora de decidir, it´s your call”, relata o professor.
“Criamos a empresa, com ações depositadas na fundação de apoio da UFMG. Em 2000, o modelo de monetizar o tráfego de busca não tinha sido criado, então decidimos vender serviços de busca no mercado corporativo. Financiamos a empresa com recursos próprios, o que não é recomendável. Tirei licença sem vencimentos da universidade. Em dois anos, os maiores portais de conteúdo e acesso à internet no Brasil eram clientes da Akwan”, conta o professor.
Segundo o diretor o Centro de Engenharia da Google na América Latina, o empreendedor tem que aprender múltiplas habilidades em áreas diferentes. “Você precisa aprender em alta velocidade, contra o tempo, no meio do caminho. Se não aprender, o seu sonho morre. Tem que colocar suas crenças de lado, você executa para os clientes. O foco não pode ser você, não pode ser o que você acredita”.
Capital-semente para a empresa nascente
De acordo com Berthier, em 2003 a Akwan já já era uma empresa lucrativa, mesmo com uma base de clientes pequena (IG, Uol, Terra) e tinha dinheiro em caixa para sustentar a empresa por dois anos, mesmo se os clientes fossem embora. “Isso dava tranquilidade psicológica para pensar estrategicamente. Mesmo assim, era necessário aumentar o número de clientes”, revelou.
“Nós listamos as mil empresas mais lucrativas do país e selecionamos onze delas para tentar vender nosso serviço. A primeira para a qual ligamos conseguimos realizar a venda. A segunda, também. E aí a Google nos procurou. Viram um grupo de engenheiros, vindos da academia, com uma empresa de tecnologia de busca, que se mantinha viva há quatro anos e publicava com alta confiabilidade”, conta o empreendedor.
Antes de atingir esse grau de maturidade, a startup enfrentou muitas dificuldades, sobretudo financeiras. “Eu tentei convencer o BNDES por dois anos que tinha valor e eles queriam modelo de negócio comprovado, mas isso não existe quando o produto ou processo é inovador. O maior problema que uma startup enfrenta é a falta de dinheiro, descobrir como monetizar. Nos Estados Unidos, há o chamado capital-semente. A Google, por exemplo, recebeu 25 milhões de dólares, quando era uma empresa nascente”, contrasta Berthier, cuja empresa foi financiada inicialmente com os recursos dos próprios professores envolvidos.
Segundo o professor, a proposta de aquisição foi extremamente generosa. “Foi boa para os engenheiros, acionistas, universidade, cidade, estado, país.Não deu para resistir. Hoje temos 120 engenheiros, 75 trabalhando com busca, e estamos com uma meta de crescimento agressiva para este ano.”, antecipa.
A Web, mudança de paradigma e Fake News
Na avaliação de Berthier, a Web mudou o jeito que as pessoas buscam informação, pagam suas contas, fazem compras, procuram um apartamento. “As distâncias de encurtaram drasticamente no horizonte de duas décadas. O impacto disso na sociedade moderna é monumental”.
O professor relembrou a história da escritora inglesa Jane Austen, autora de “Orgulho e Preconceito”, segundo romance mais lido na história britânica. “Jane publicava anonimamente, pois no século XIX havia pouca liberdade editorial. Ou o escritor era rico para publicas seus livros ou dependiam do interesse de um editor em relação à sua obra. A inventividade de Tim Berners Lee (físico inglês, criador da WorldWide Web) mudou isso radicalmente. A e-Publishing Age é marcada por uma mudança de paradigma. O poder de decidir o que será publicado e divulgado não está mais nas mãos de poucos. Dezenas de milhões de pessoas se tornam autores, editores, jornalistas. Esse tremendo poder está liberado”, ressaltou.
Mas essa plataforma descentralizada tem seus problemas também, como as chamadas fake news (notícias falsas), acrescentou o professor. “Um problema real, que era improvável no paradigma anterior. Os editores julgavam ter uma responsabilidade social, portanto, um papel ético e moral com a informação difundida”.
“A experiência universitária define seu futuro profissional”
No espaço aberto a perguntas e debate, o vice-diretor da Coppe, professor Romildo Toledo, perguntou ao palestrante a respeito das ações desenvolvidas pela UFMG para incentivar o surgimento de empresas de base tecnológica a partir do ambiente universitário. Um objetivo que a diretoria da Coppe também vem buscando alcançar. Segundo o professor Berthier, a UFMG, em parceria com a Procuradoria, criou a ação por usufruto. “Sugiro convidar os responsáveis por formatar isto, pois é o que estamos usando sistematicamente na UFMG. Você deposita ações na Fundação, que não dão direito a voto, a participação na gestão da empresa, mas dão direito de usufruto. Se a empresa falir, a fundação não tem responsabilidade”, aconselhou o professor.
O diretor de Tecnologia e Inovação da Coppe, professor Fernando Rochinha, dividiu com o palestrante a sua angústia sobre a necessidade das universidades anteciparem qual será a formação necessária para os profissionais do futuro, em um mundo cujas mudanças tecnológicas e a adoção das mesmas se dão em velocidade crescente. Berthier analisou primeiramente suas próprias áreas de conhecimento: Computação e Engenharia. “Estudante de engenharia brasileiro não sabe estatística e machinelearning é estatística. A computação do futuro é estatística. Precisamos mudar o currículo, ter menos aulas teóricas e mais aulas práticas. Passarmos aos alunos menos problemas fechados e mais problemas abertos”.
“A experiência na vida universitária define seu sucesso profissional. É a experiência mais importante da sua vida. Não trate como rito de passagem. Se quiserem um carimbo num papel, não precisam vir para a Coppe. Em outro lugar vocês obtêm esse carimbo de maneira muito mais fácil. Vocês estão aqui por uma razão. Outra questão é que isso tudo que vocês estão vendo aqui é financiado pelo contribuinte brasileiro, pelo homem pobre. Nós temos uma responsabilidade. Aproveitem essa oportunidade”, concluiu o professor Berthier Ribeiro-Neto.
- empreendedorismo