Bresser-Pereira critica esquerda e direita e defende resgate do desenvolvimentismo para um projeto de nação
Planeta COPPE / Notícias
Data: 08/06/2017
O ex-ministro e professor emérito da Fundação Getúlio Vargas (FGV-SP), Luiz Carlos Bresser-Pereira, transformou a sua palestra na Coppe/UFRJ, nesta terça-feira, 6 de junho, em uma autêntica aula. Signatário do Manifesto Brasil Nação, Bresser destacou “cinco ações para que a economia volte a crescer e o Brasil possa, novamente, ter um projeto de nação: garantir a propriedade privada; investir em infraestrutura; investir em educação; garantir financiamento a juros baixos e deixar a taxa de câmbio no lugar certo”.
Bresser fez também uma retrospectiva histórica dos três governos nos últimos 20 anos. Foi parcimonioso nos elogios, mas não poupou críticas. “Na política cambial, Fernando Henrique Cardoso, Lula e Dilma foram irresponsáveis, todos os três. Na política fiscal Lula fez o dever de casa nos dois mandatos, FHC somente no segundo, e Dilma, em momento algum”, afirmou o ex-ministro.
Crítico do populismo fiscal da esquerda e do populismo cambial da direita liberal, o ex-ministro afirmou ser um social-democrata e defender o socialismo, “no longo prazo”. Um dos expoentes do chamado Novo Desenvolvimentismo, o economista afirmou que os adeptos dessa linha de pensamento não são a favor de déficit público crônico “como alguns desenvolvimentistas populistas defendem”. “Nós somos keynesianos. O Estado deve agir de maneira contracíclica, aumentando o gasto público durante as crises e retraindo o gasto durante períodos de maior crescimento econômico”, ensinou.
Em sua opinião, a ex-presidente Dilma Rousseff foi “lamentavelmente irresponsável”, pois aumentou o gasto público e concedeu grandes desonerações fiscais, perdendo a possibilidade de agir contraciclicamente quando o país entrou em recessão. “Aí, em 2014, quando precisava gastar para estimular a economia, o governo já havia gasto. O mal da esquerda é querer fazer política social com irresponsabilidade fiscal”, lamentou.
O ex-ministro Bresser-Pereira chegou à Coppe duas horas antes da palestra e foi recebido pelos diretores da instituição: Edson Watanabe, Luiz Pinguelli Rosa, Fernando Peregrino e Fernando Sepúlveda. Em seguida, embarcou no Maglev-Cobra, o trem de Levitação Magnética desenvolvido por pesquisadores da Coppe, e visitou o LabOceano, laboratório que possui o tanque oceânico mais profundo do mundo.
“O projeto de integração entre empresa e universidade é muito antigo e extremamente importante e que todos os países autônomos desenvolvem. Este tipo de integração é fundamental. Uma pena é que os resultados em termos de desenvolvimento socioeconômico tem sido pequeno. Por quê? Porque as empresas investem pouco. É preciso que haja condições de gerais para acumulação de capital e investimento, as quais o Estado precisa garantir. Sobretudo que o câmbio seja competitivo, e ele não é desde os anos 1990”, analisou o professor.
Liberais são populistas cambiais
Se as críticas aos governos de esquerda foram numerosas, Bresser deixou clara uma rejeição ainda maior ao pensamento liberal. “Tudo o que mais creio na vida é que o liberalismo é incompatível com o desenvolvimento do Brasil. Os liberais são populistas cambiais: mantém juros altos e câmbio apreciado (moeda nacional valorizada frente ao dólar), até porque querem captar poupança externa – e isso é incompatível com o desenvolvimento econômico. Para um neoclássico – como parte do pensamento liberal é conhecida na ciência econômica-, pouco importa se você produz potato chips ou microchips. Para mim, industrialização é desenvolvimento, e vice-versa”, enfatizou Bresser.
Na opinião de Bresser, é falacioso associar o desenvolvimento das potências capitalistas ao receituário liberal. “O capitalismo nasceu desenvolvimentista. A Inglaterra não se desenvolveu graças a Adam Smith e sim graças ao mercantilismo, que era a ideologia desenvolvimentista da época. Só em 1834, a Inglaterra foi liberal. Os países que mais se desenvolveram nas últimas décadas, como Taiwan, Cingapura e Vietnã, se baseiam no modelo desenvolvimentista japonês”, afirmou.
“Eu me formei como economista estudando a obra de autores desenvolvimentistas como Raúl Prebisch e Celso Furtado. Eles desenvolveram a agenda da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal), baseando-se em economistas clássicos, sobretudo Karl Marx, e também em John Maynard Keynes. Getúlio Vargas, em seu segundo governo, Juscelino Kubitschek e Delfim Neto puseram em prática as ideias desenvolvimentistas. Essas ideias fizeram com que o Brasil e outros países da América Latina conhecessem grande desenvolvimento”, defendeu Bresser-Pereira.
Segundo Bresser, os governos do PT fizeram três tentativas de política industrial. “O presidente Lula reuniu especialistas do setor no começo de seus dois mandatos. Dilma fez o mesmo em 2010. Mas ambas não deram certo porque faltou política macroeconômica. O PT inventou o capitalismo sem lucros. Queriam apoio do empresariado sem dar uma taxa de câmbio que garantisse retorno”.
O governo FHC, por outro lado, nem mesmo teria buscado uma política industrial autônoma, preferindo modernizar o parque industrial, atraindo companhias multinacionais. “Fernando Henrique Cardoso se tornou o principal intelectual de esquerda, marxista, dos anos 1970-80, devido ao seu livro sobre Dependência Associada. Mas só em 2003 eu percebi que a sua Teoria ‘da’ Dependência é, na verdade, uma teoria ‘de’ dependência. Perdemos a ideia de nação com ela”, criticou o ex-ministro.
Defesa do Estado de Bem-Estar Social
Tendo sido ministro por três vezes, duas durante o governo FHC – Ministério da Administração Federal e Reforma do Estado (1995-1998) e o Ministério da Ciência e Tecnologia (1999) – e uma durante o governo Sarney, ministro da Fazenda (1987) – Bresser-Pereira foi questionado pelo público acerca de seus projetos mais emblemáticos: o Programa de Reforma de Aparelho de Estado, desenvolvido durante o governo FHC, e o chamado Plano Bresser, uma das três tentativas do ex-presidente José Sarney de debelar, sem êxito, a alta inflação do final dos anos 1980.
Indagado se a reforma iniciada por ele, em 1995, teria semelhanças com o conjunto de reformas propostas pelo presidente Michel Temer, Bresser fez questão de frisar que aquela, ao contrário desta, não tinha um caráter “neoliberal”. Segundo o economista, a reforma do aparelho de Estado “nem estava no programa de governo do presidente Fernando Henrique. Ele só incluiu na agenda depois que consegui que os governadores apoiassem a proposta. O objetivo da reforma foi, desde o começo, legitimar o Estado de Bem-Estar Social no Brasil”.
Em seu entendimento, o mais importante para a distribuição de renda é que o Brasil tenha um Estado de Bem-Estar Social. “Ele precisa ser eficiente e prover serviços de maneira eficaz. O objetivo principal (da reforma) foi tornar eficiente a atuação do Estado nas áreas de Saúde, Educação, Previdência e Assistência Social. Não vejo nada de neoliberal nisso. O Banco Mundial foi, graças a Deus, contra a minha reforma”, enfatizou Bresser.
Em relação ao malogro do plano econômico, implementado em 1987 e que levou o seu sobrenome, Bresser ponderou que um grupo de economistas, dentre os quais ele próprio, desenvolveu a teoria da inflação inercial – que explicava como a indexação de preços prejudicava a adoção de medidas recessivas tradicionalmente empregadas no combate à carestia. A teoria, segundo Bresser, foi aplicada em vários planos, finalmente logrando êxito com o Plano Real. “No entanto, em 1987, o ajuste fiscal foi insuficiente. O presidente Sarney me avisou que não estava disposto a fazer nenhum ajuste a mais, motivo que me levou a pedir demissão”, explicou o economista.