Convergência em prol da democracia marca o tom do 5º debate do Fórum Virtual da Coppe

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Data: 10/06/2020

Para Flávio Dino, a democracia está em risco e seria um erro relativizá-lo. “Outras gerações cometeram este erro e pagamos um preço caro”

A Coppe/UFRJ reuniu no último domingo, 7 de junho, o ministro do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes; o governador do Maranhão, Flávio Dino; e do presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, Felipe Santa Cruz. Os três destacaram que não se deve minimizar as ameaças explícitas ao regime democrático e enfatizaram que o momento pede a união de todos que prezam a democracia, independentemente de suas ideologias ou preferências partidárias.

O debate, que teve como tema a “Necessidade de União Nacional pela Democracia”, foi transmitido ao vivo na página da Coppe no Facebook, e contou com a mediação do professor da Coppe, Luiz Pinguelli Rosa. O vídeo está disponível na página da instituição no YouTube

De acordo com o governador do Maranhão, Flavio Dino (PCdoB), o fato de diferentes partidos, instituições e mesmo movimentos da sociedade civil buscarem articular uma frente ampla em defesa da democracia, isso deixa implícito que ela esteja sob ataque. “De fato, está e seria grave fazer vista grossa a isso. Outras gerações cometeram este erro e pagamos um preço caro. Até mesmo o Financial Times manifestou sua preocupação em editorial. Não podemos ter otimismo ingênuo, ingenuidade não serve a nada no momento”, alertou Dino.

O ministro Gilmar Mendes manifestou sua preocupação com a multiplicação dos ataques às instituições republicanas e aos valores democráticos. “Estas manifestações já ocorriam no entorno do presidente desde a campanha eleitoral. Atualmente, temos um acampamento em Brasília, liderado por uma senhora (Sara Winter) que diz ter armas e querer agredir em prol da ucranização do Brasil”.

“As vivandeiras dos quartéis perderam a informalidade. O artigo 142 da Constituição Federal regula a atividade das Forças Armadas, e leitores precipitados viram nele as bases para um autogolpe. Muitas dessas manifestações contaram com a presença do presidente Bolsonaro. Uma delas no Forte Apache, de seus acólitos. Eu já disse ao presidente que ele, como chefe de Estado, não deveria participar de manifestações antidemocráticas e ilegais”.

De acordo com o presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Felipe Santa Cruz, as manifestações antidemocráticas, de tão recorrentes, tornaram-se espetáculos dominicais. “No mais recente, houve um desfile equestre, Bolsonaro cavalgou entre seus apoiadores, como se fosse o líder de hostes militaristas. Faço coro ao ministro Gilmar Mendes e acrescento que as vivandeiras estão hoje entronizadas no centro do Poder Executivo, inclusive a promover as teses do autogolpe”.

No entendimento de Santa Cruz, há um conjunto de ilegalidades (invasão de terras indígenas, grilagem, garimpo ilegal) que se aglutinam em torno de um homem “que é ignorante, mas não é burro nem incoerente”. “Bolsonaro nunca valorizou a democracia nem disse que governaria para todos. Ele governa para seus apoiadores radicalizados, e tem jogado as polícias militares contra os governadores. Eu aludo como antidemocrática a milicianização da política brasileira. O que é milicianizar as instituições? Afastá-las dos padrões da legalidade”, explicou o advogado.

O ministro Gilmar Mendes comentou a decisão do STF de reafirmar a competência concorrente de estados, municípios e União na adoção de medidas de proteção à saúde. Ou seja, que todos os entes federados têm deveres e responsabilidades para com a saúde da população. De acordo com o ministro, a decisão deixou claro que o SUS é um modelo tripartite. “Os serviços diretos são prestados pelos estados e municípios. Quando se colocou essa zona de conflito, o Supremo primou que a União tinha o que dizer, mas que deveria respeitar em termos de abertura e fechamento, aquilo que compete aos demais entes. Creio que isso causou desconforto ao presidente, que disse que o STF esvaziou sua caneta. Talvez tenha em mente alguma concepção de presidencialismo imperial, que não existe”, avaliou.

Para o ministro Gilmar Mendes, o Brasil vive um momento histórico “bastante peculiar”, no qual somam-se “desenvolvimento econômico medíocre – agravado pela pandemia que impôs a paralisação de atividades e o distanciamento social – à crise política que traz série de desinteligências entre os Poderes”.

Apesar da pressão imposta pela militância governista, o ministro mostra-se tranquilo quanto ao papel institucional da corte que representa. “Temos consciência de que estamos contribuindo bem o papel de guardiões da Constituições. Não creio que haja extravasamento e caso haja descontentamento com alguma decisão, é possível impetrar recurso”, afirmou o ministro do STF.

O presidente da Ordem dos Advogados do Brasil frisou que a OAB não está na luta partidária, mas ”quem se omitir agora será conivente”. “Temos um ministro da Educação contra a Educação, uma ministra dos Direitos Humanos machista, o do Meio Ambiente é ecocida, o presidente da Fundação Palmares, racista. O filho do presidente diz que não é questão de se (confrontará a ordem democrática), mas de quando. Cabe a nós impedir esse quando”, reforçou Felipe Santa Cruz.

Frente Ampla pela democracia

“Temos que abrir o coração à generosidade e não disputar a liderança de um movimento que deve ser natural”, defende o presidente da OAB

O presidente da OAB, Felipe Santa Cruz, disse que tem participado de diversas iniciativas com fim de que seja constituída uma frente ampla capaz de contemplar a todos que defendam a democracia, mas fez um alerta. Como atrair para esta luta as classes C e D que vivem acossadas pela violência da polícia, do tráfico e da milícia? Temos que incluir mulheres e negros, abrir o coração à generosidade e não disputar a liderança de um movimento que tem que ser natural como um rio. Um movimento contra o fascismo e o governo da morte. Precisamos lutar para que tenhamos ao menos a consciência tranquila”, afirmou Santa Cruz.

Para o ministro Gilmar Mendes, o fundamental é focar nas convergências. “Nesse estado de desassossego, como dizia Fernando Pessoa, chamarmos todas as pessoas de boa fé para sobrevalorarmos a democracia. Ninguém quer desenvolvimento social ou econômico às expensas do ambiente democrático, que é um pressuposto que deve ser defendido.Temos também que dar atenção aos jovens e à formação democrática”.

Destacando a necessidade de uma Frente Ampla, suprapartidária, pluri-ideológica, baseada no bom senso, Flávio Dino defendeu que o PT não seja excluído, mas mostrou-se reticente quanto à inclusão do ex-ministro da Justiça, Sérgio Moro. “Uma Frente Ampla deve ser construída para além do mundo partidário e das lideranças postas. Mas, não creio que esta se dará excluindo o PT, pela representatividade que tem, as vitórias eleitorais que já teve, e pela maior bancada da Câmara. Às vezes sou cobrado ‘Flavio Dino se reuniu com quem?’. Ué, e não pode? Devemos sim nos reunir. A estrada de Damasco é larga, Saulo de Tarso passou por ela e se tornou Paulo. Talvez Moro passe por ela e se torne democrata. Mas estava há pouco na antessala do fascismo. Agora, tudo tem seu tempo debaixo do Céu, diz a Bíblia. Em 2022 pensa-se depois, mas creio que pior para a esquerda seja o isolamento”, refletiu o governador.

Flávio Dino enfatizou que é preciso fazer que a gramática e o dicionário da democracia prevaleçam, para evitar aventureiros. “Autocratas não gostam de instituições que contraponham seu poder. Bolsonaro comete crimes em série contra a Constituição Federal e as leis. Inclusive ao pacto federativo. Ele culpa os governadores pelo desemprego, quando a condução macroeconômica compete ao governo federal. Mas, precisamos resistir. O monstro do fascismo ainda não se agigantou, mas existe”.

União pela democracia e pela justiça social

“A crise dá a oportunidade de revisitar as mazelas sociais que vínhamos tolerando e pensarmos na criação de um Estado social mais justo”, defendeu Gilmar Mendes

Após discorrer sobre as ameaças, veladas e explícitas, à democracia, o ministro Gilmar Mendes chamou atenção para o título do Fórum Virtual da Coppe e para a necessidade de pensar o país par ao pós-pandemia. “Ela (pandemia) mostrou algumas falhas do sistema. Precisamos fortalecer o SUS. Havia apenas 70 leitos de UTI em Manaus. A crise revelou necessidade de fortalecer o sistema, mas graças a Deus temos o SUS, senão poderia ser pior”.

Outra questão levantada pelo ministro foi a dificuldade de localizar os titulares dos direitos de receber a renda básica emergencial. “Causou perplexidade, nossos cadastros se mostraram incapazes de localizar nossos ‘invisíveis”’. É altamente constrangedor para uma das maiores economias do mundo. Precisamos reconceber o sistema de proteção social. Chegamos a romantizar favelas e comunidades, e temos nelas péssimas condições sanitárias. Falta de água, e os piores índices de tuberculose, como alertou o ex-ministro Mandetta. Como dizer a essas pessoas para colocar os doentes em outros cômodos se não há? Isso precisa entrar em nossa agenda. Mais de 60 milhões de brasileiros não têm água encanada, metade da população não tem tratamento de esgoto”, criticou o jurista.

“Precisamos conceber consensos em prol da democracia, mas também em torno de uma democracia social. A crise dá a oportunidade de nos reencontrarmos com o Brasil profundo, revisitar as mazelas sociais que vínhamos tolerando e pensarmos na criação de um Estado social mais justo”, defendeu Gilmar Mendes.

Na avaliação de Flávio Dino, a principal proteção da democracia é justamente o auxílio emergencial, “pois ele permite a condição material da subsistência. Sem isso reina o desespero, que é um caldo de cultura inclusive para o fascismo. É interesse da sociedade que a renda básica seja mantida, quiçá para sempre”.

Dino chamou atenção para a necessidade de o país fomentar e valorizar um complexo industrial na área da Saúde. “A Coppe, que investiga esses temas com muita seriedade, sabe que estamos importando máscaras N95 e respiradores em ações desesperadas porque não há oferta adequada de insumos de saúde em nosso país. É uma questão de soberania nacional. As elites militares que tanto prezam o conceito, que zelem então pela soberania”, avaliou o governador do Maranhão, que também cobrou uma reforma tributária, capaz de redistribuir renda e atacar as desigualdades socioeconômicas.