Coppe e Greenpeace propõem [R]evolução Energética
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Data: 20/09/2016
Promover uma completa descarbonização da matriz energética brasileira em 34 anos. Essa é a proposta para o enfrentamento das mudanças climáticas apresentada no relatório “[R]Evolução Energética”, que reúne artigos de professores da Coppe/UFRJ e da Unicamp, e de pesquisadores do Centro Aerospacial Alemão (Deutches Zentrum für Luft und Raumfahrt – DLR). No relatório produzido em parceria com o Greenpeace os pesquisadores apontam caminhos para que o Brasil chegue a 2050 com 100% de participação de fontes renováveis em sua matriz energética. A apresentação foi realizada, dia 13 de setembro, no Centro de Tecnologia da UFRJ, na presença de professores e especialistas de setores ligados à sustentabilidade.
A [R]evolução Energética é apresentada como uma alternativa, em contraste com o Cenário Base que indicaria a continuidade das políticas atuais para o setor até o horizonte de 2015. A proposta tem como base eliminar o uso de todos os combustíveis fósseis, que atualmente respondem por 58% da matriz energética. Também implica em priorizar novos projetos de energia solar e eólica, considerar os impactos sociais causados por grandes obras nas comunidades tradicionais e o fim da dependência dos combustíveis fósseis para o crescimento econômico.
De acordo com o relatório, é possível reduzir em 47% a demanda por energia prevista pelo Cenário Base com medidas de eficiência energética: 61% de redução em transportes, 40% na indústria e 38% nos demais setores. Mesmo com a redução, a produção de energia passaria de 590 TW/h (valores de 2014) para 1.108 TW/h em 2050.
País pode economizar R$ 45 bilhões eliminando o uso de combustíveis fósseis
A descarbonização da matriz energética proposta pelos autores seria progressiva. O relatório prevê o abandono do uso do carvão, até 2030, e do petróleo, até 2040. O gás natural poderia ser usado para geração de energia, somente até a metade do século. A capacidade instalada das fontes renováveis partiria dos atuais 106 GW e alcançaria 349 GW em 2050, um montante 48% superior ao do cenário base. O fim do uso de combustíveis fósseis e consequentemente o descomissionamento de usinas termelétricas permitiria uma economia anual de R$ 45 bilhões para o país e para os consumidores.
“Parece um cenário revolucionário e de fato é. O objetivo é contribuir para que o Brasil faça a sua parte, como país signatário do Acordo de Paris, adotado pela Convenção-Quadro das Nações Unidas para Mudanças do Clima (UNFCCC, na sigla em inglês), que visa limitar o aumento da temperatura média global a 1,5ºC, relativos aos níveis pré-industriais”, explicou o professor da Coppe, Márcio D’Agosto, um dos coordenadores do relatório.
De acordo com o coordenador de Clima e Energia do Greenpeace Brasil, Ricardo Baitelo, o total de investimentos necessários para completar a descarbonização até 2050 chegaria a 1,7 trilhão de reais. Até 2030, seriam gerados 618 mil empregos até 2030. “Já iniciamos conversas com diversas instituições como EPE, BNDES, ONS, Ministério do Meio Ambiente e Ministério de Minas e Energia. Temos que derivar para ações concretas para atingir os objetivos propostos”, afirmou Baitelo.
“Dada a longa duração dos estoques de capital e do aprendizado tecnológico e considerando o longo tempo necessário para que comportamentos humanos se modifiquem, trajetórias de desenvolvimento são particularmente relevantes para sistemas energéticos”, escreveu Roberto Schaeffer, professor do Programa de Planejamento Energético (PPE) da Coppe e um dos coordenadores do estudo, no prefácio do relatório.
Menos carbono, mais investimentos e empregos
O estudo foi dividido em cinco tópicos: Mudanças Climáticas e Energia; A Geração de Energia; O Setor Elétrico no (R)evolução Energética; Eficiência Energética; e Transportes e Mobilidade. Este último tópico teve seus estudos realizados pelos pesquisadores do Laboratório de Transporte de Carga (LTC) da Coppe, sob a coordenação do professor Márcio D’Agosto. Segundo o professor, o estudo envolveu ampla pesquisa de dados em fontes oficiais e consistentes, modelagem matemática, abordagem quantitativa e qualitativa, contemplando a projeção do PIB per capita; tonelada/passageiro por quilômetro; divisão de modos de transporte; alternativas energéticas para cada modal; rendimento energético e fatores de emissão.
No cenário proposto para 2050, a malha ferroviária transportaria 47% da carga nacional e 13% dos passageiros, contra respectivamente 25% e 4,1% transportados hoje. “Para o transporte de cargas, a projeção prioriza investimentos em transporte ferroviário e na intermodalidade, bem como o aumento na participação de caminhões elétricos ou híbridos e a eletrificação de ferrovias. Para o transporte de passageiros, busca-se motores mais eficientes, a eletrificação como tendência para o setor automotivo e o aumento na taxa de mobilidade não motorizada”, explicou D´Agosto.
O professor Amaro Pereira, do Programa de Planejamento Energético (PPE) da Coppe, destacou que as políticas de eficiência energética têm papel fundamental no atingimento das metas. “Lamentavelmente a base de dados disponíveis é muito limitada e a falta de informações prejudica a política pública”, criticou.
Amaro alertou que a mudança de paradigma não deve ser abrupta, devendo-se levar em conta os impactos sociais para os segmentos da sociedade que estão inseridos na lógica produtiva que se pretende superar. “Quando a gente pensa em emissão zero, a gente pensa em eliminar o uso do carvão em primeiro lugar, mas há toda uma dependência do carvão na região Sul. Não podemos simplesmente acabar com esse setor e os empregos. É preciso fazer uma transição”, ponderou o professor.
Mudanças societárias e cenários desafiadores
Segundo Alexandre Szklo, docente do PPE da Coppe e um dos coordenadores da revisão de cenários do estudo, muitos fatores devem ser levados em conta na elaboração de cenários de longo prazo, dentre os quais: renda, idade e comportamento. “A geração Y está tirando menos carteira de habilitação. Eu me pergunto se essa geração quererá migrar para a bicicleta. Penso que optarão por transporte coletivo, trabalho remoto e conectividade. Tampouco me parece que os idosos optarão por ciclovias. A gente vai ter que incluir essas variáveis em nossas projeções. O Brasil vai passar por uma mudança em seu perfil etário em 2030”, alertou Szklo.
O professor indicou ainda que a opção das principais montadoras automobilísticas pela eletrificação de seus veículos gera um desafio para o Brasil, mas também pode ser uma janela de oportunidades.
“Há excedente de gasolina no Atlântico Sul. Gasolina barata desafia a consciência ecológica do consumidor para que não aproveite a queda nos preços. Também deslocará o refino do petróleo para querosene de aviação e diesel, barateando-os. Isso traz um cenário desafiador para o Brasil”, refletiu Szklo, que coordenou a revisão dos cenários juntamente com Roberto Schaeffer e André Lucena, também professores do PPE.
Repensar o modelo de viver
Para o professor Luiz Augusto Horta, da Universidade Federal de Itajubá (Unifei), as discussões não podem se restringir a aspectos técnicos, pois a mudança de paradigma envolve valores, cultura e modelo de desenvolvimento. “O Brasil tem o dever de aproveitar a bioenergia. O país é uma cornucópia de recursos naturais. Mas temos que ter critérios, pois temos restrições de ordem econômica. Não demos os mesmos incentivos a todas as fontes alternativas. Por que demos incentivos à eólica que não demos às pequenas centrais hidrelétricas (PCH´s) e biomassa?”, questionou o professor.
Horta criticou o projeto nacional de biodiesel, que em sua opinião não foi bem sucedido. “Ele nasceu focado na mamona e nos pequenos produtores. Small is not so beautiful (pequeno não é tão bonito, em tradução livre). Não faz sentido ter pequenos produtores se são inerentemente ineficientes. A aprendizagem mostra que há ganhos de escala”, avaliou.
O professor lembrou que a Costa Rica aprovou, em 2007, uma meta de atingir a neutralidade nas emissões de CO2 até 2021, mas suas emissões aumentaram desde então. “Não se trata apenas de trocar motores, e sim de repensar o modelo de viver. A realidade é necessariamente mais complexa que o modelo matemático. A política ambiental não pode descuidar das políticas industrial e agrícola. É possível fazer modelo, mas ele precisa ser aberto, sensível”.
Horta defendeu que o Brasil harmonize suas políticas para bioenergia com a dos países vizinhos (na América do Sul, somente Chile, Bolívia e Venezuela não adotam políticas consistentes neste setor) e que não adira intempestivamente ao preservacionismo preconizado pelos países desenvolvidos. “Um hectare de florestas armazena 40 toneladas de carbono. Os países ricos querem que a gente preserve a mata nativa para compensar suas emissões comprando créditos de carbono, mas poderíamos usar essa área para a produção de energia limpa. O uso como carbon substitution (substituição de carbono) é melhor do que como carbon sequestration (sequestro de carbono)”, defendeu o professor da Unifei.
O relatório [R]evolução Energética: rumo a um Brasil com 100% de energias limpas e renováveis pode ser acessado no site do Greenpeace, na íntegra: www.greenpeace.org.br/revolucao