COPPE lança obra que resgata a trajetória de Lobo Carneiro
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Data: 28/04/2005
O cientista inseriu a engenharia brasileira no cenário internacional e é autor de uma das principais contribuições à ciência da engenharia do século XX
A COPPE promoveu, dia 5 de maio, o lançamento do livro Engenharia da Transparência: vida e obra de Lobo Carneiro. De autoria da jornalista Terezinha Costa, a publicação traz uma importante contribuição à história da ciência e da tecnologia no Brasil. A abertura do evento contou com palestra do professor Luiz Bevilacqua.
A obra resgata a trajetória de Lobo Carneiro, um mestre da ciência que na década de 40 inseriu a engenharia brasileira no cenário internacional com a publicação do chamado “Ensaio Brasileiro”, método usado para determinar a resistência à tração dos concretos. Este trabalho é considerado uma das principais contribuições à ciência da engenharia no século XX.
Coordenado pela COPPE, financiado pela Eletrobrás e editado por Andrea Jakobson Estúdio Editorial, “Engenharia da Transparência” surpreende pelas informações que revela sobre a atuação de Lobo Carneiro, cuja trajetória confunde-se em vários momentos com períodos decisivos da história do Brasil. Influenciado por Galileu, o pesquisador brasileiro esforçava-se por combinar teoria e experimentação. Esses princípios nortearam sua vida acadêmica na COPPE, instituição que ajudou a fundar e na qual permaneceu ministrando aulas até o final de sua vida, aos 88 anos de idade.
A saga do maestro do petróleo
Um homem à frente do seu tempo, Lobo Carneiro era determinado na busca pela superação dos desafios tecnológicos. Foi assim que desenvolveu as inéditas metodologias de cálculos que viabilizaram a construção das primeiras plataformas de petróleo no Brasil. No livro, a jornalista revela a atuação do engenheiro e de sua equipe, na COPPE, na empreitada vitoriosa que levou o País a superar um dos seus maiores desafios: explorar reservas de petróleo no fundo do mar. Com base neste trabalho pioneiro, o Brasil, que na década de 70 importava 80% do petróleo que consumia, chegou ao século XXI próximo da auto-suficiência e líder mundial na área offshore.
O petróleo foi um tema constante na vida do engenheiro. No final dos anos 30, teve um importante papel na criação do Conselho Nacional de Petróleo. Também foi autor de um parecer que pegou de surpresa os dirigentes da Standard Oil, ao revelar que, ao contrário do que afirmavam, não se tratava de uma refinaria a edificação construída pela empresa em São Paulo. No texto do relatório, o cientista foi claro e enfático: “Não existia refinaria nenhuma. Era uma verdadeira farsa! Havia um alambique que se usa em campos de petróleo para destilar um pouco de querosene…” À época, o que estava em questão era o monopólio do mercado de refino no Brasil. Lobo Carneiro chegou a ser chamado ao Palácio do Catete para uma reunião com o presidente Getúlio Vargas para falar sobre o tema.
Mas não parou por aqui sua atuação em relação ao petróleo brasileiro. Participou intensamente da campanha “o petróleo é nosso”, que iniciou em meados dos anos 40. Pela causa aceitou até ser suplente de Deputado Federal para ajudar na elaboração e aprovação da lei que criou a Petrobras. Deputado suplente pelo Partido Republicano Trabalhista, o engenheiro substituiu o deputado do PCB Roberto Morena e foi um importante articulador em prol da causa no Congresso. Quando a lei foi finalmente aprovada, Morena voltou a ocupar o seu cargo e Lobo Carneiro retornou a suas atividades como pesquisador. Mas ainda não seria dessa vez que o petróleo deixaria de fazer parte da vida do cientista. Mais tarde, na década de 70, como coordenador do programa de engenharia civil da COPPE, o pesquisador aceitou mais um desafio, desta vez no campo que mais dominava, o da ciência. Respondeu à altura e provou que o Brasil tinha cientistas qualificados e tecnologia para construir plataformas que tornassem viável a exploração de petróleo no mar. Os cálculos das primeiras plataformas construídas no país foram feitos na COPPE, sob a coordenação deste cientista, chamado pelos colegas, não por acaso, de maestro do petróleo no Brasil.
Lobo do Rio
Fernando Luiz Lobo Carneiro é carioca. Nasceu no bairro da Glória, em 28 de janeiro de 1913. Aos seis anos de idade mudou-se com a família para a Gávea, bairro nobre da cidade, ainda um apêndice rural. Sua casa era uma chácara, voltada para a Marques de São Vicente, que tinha pomar, horta, moenda, plantação de milho e cana e uma vaca leiteira. Fernando costumava subir a Estrada da Gávea, ainda de terra e sem favela da Rocinha, e de lá apreciava a bela vista da mata e da praia de São Conrado.
As primeiras lições foram dadas na própria casa pelo pai, Otávio Carneiro, que mandou construir no jardim uma casinha de madeira que funcionava como “escola”. Mais tarde, contratou professoras para que seus filhos pudessem completar ali os estudos do curso primário. A pequena construção ficava sob a janela do quarto de Fernando, de onde avistava-se o Morro do Corcovado, ainda sem o Cristo Redentor. Ao terminar o primário, foi estudar no Colégio Rezende, em Botafogo. Ali estudavam também os primos, filhos da tia Íris e de Carlos Chagas, o cientista de Manguinhos. O trajeto de casa até a escola era feito de bonde.
Fernando estudou piano e sua mãe organizava encontros musicais na Casa da Gávea. A paixão pela música e pelos livros o acompanhou por toda a vida. Com o pai, freqüentava a Livraria Garnier, na rua do Ouvidor, onde foi apresentado à obra de Julio Verne, um autor que na época suscitou em muitos jovens o interesse pela ciência. O livro preferido de Lobo Carneiro era “Nautilus: a ilha misteriosa”.
A influência do pai foi decisiva na escolha da engenharia como profissão. Otávio fiscalizou as obras do Edifício A Noite, na Praça Mauá, no Rio de Janeiro. Com 102,8 metros de altura e 24 andares, o prédio foi construído no final da década de 1920. À época, seria o prédio mais alto do mundo com estrutura de concreto armado. Com 16 anos, Fernando freqüentou o canteiro de obras do A Noite. No ano seguinte, iniciou o Curso de Engenharia na Escola Politécnica da Universidade do Brasil.
Formado em Engenharia Civil na turma de 1934, o primeiro estágio foi feito no escritório técnico Emílio Baumgart, projetista do edifício A Noite e de obras pioneiras no Brasil e no mundo. Como projetista, Lobo Carneiro ganhou encomendas de diversas edificações. Entre os projetos dos quais participou estão o Hotel Ambassador, na Cinelândia; o Cinema Pax, na Praça Nossa Senhora da Paz, em Ipanema, demolido nos anos 1970; uma fábrica de papel em Barra do Paraí (RJ); o interceptor oceânico Glória-Botafogo, na época uma das principais instalações do sistema de saneamento da cidade do Rio de Janeiro; e o edifício da Faculdade de Arquitetura da UFRJ, na Ilha do Fundão.
Em 1967, Lobo Carneiro foi convidado pelo fundador da COPPE, Luiz Alberto Coimbra, para coordenar o então recém- criado Programa de Engenharia Civil (PEC) da instituição. O engenheiro aceitou o convite e permaneceu como coordenador do PEC de 1968, data de sua fundação, até 1982. Foi durante sua gestão que se deu a assinatura do primeiro convênio de cooperação técnica entre a COPPE e a Petrobras. O convênio, coordenado por Lobo Carneiro, tinha como objetivo o desenvolvimento de tecnologias que viabilizassem a exploração de petróleo no país. O sucesso da parceria, que iniciou na década de 70, pode ser facilmente constatado. O Brasil, que até o final dos anos 70 importava 80 % do petróleo que consumia, chegou ao século XXI perto da auto-suficiência e reconhecido como líder mundial na tecnologia de exploração de petróleo no mar. O engenheiro também foi responsável na COPPE pela concepção e construção do Laboratório de Estruturas, considerado um dos mais modernos do mundo.
Carioca da gema, Lobo Carneiro comprou algumas boas brigas em prol da cidade. Gostava de lutar por boas causas, aliás, uma característica marcante da COPPE, instituição que ajudou a fundar. Uma delas teve como protagonista a Ponte Rio Niterói. O engenheiro discordou frontalmente de alguns métodos que estavam sendo adotados na construção da ponte, nos anos 70. Não teve dúvida, escreveu uma carta ao Ministro dos Transportes, Mário Andreazza, enumerando suas críticas e advertindo sobre os problemas. A carta foi publicada em alguns jornais, gerando grande polêmica. Ao final do embate, a empresa que gerenciava o consórcio foi substituída e a laje da ponte sobre o mar foi concretada em uma única etapa, conforme sugeria Lobo Carneiro.
Outra causa envolveu o elevado da Avenida Paulo de Frontin. Em 1971, o desabamento de trecho de um viaduto em construção sobre a Avenida no Rio Comprido, causou a morte de 29 pessoas, ferindo gravemente 19 e danificando 22 veículos. Amostras do material retirado do trecho foram enviadas à COPPE para exame. Havia a suspeita de que o rompimento tivesse sido causado pela deterioração do aço, o que poderia obrigar a demolição do viaduto inteiro. Ao analisar as condições do aço, a equipe coordenada por Lobo Carneiro afastou a hipótese de desgaste. Dois meses depois do desabamento, a COPPE entregava relatório ao governador Chagas Freitas, indicando como causa principal do colapso uma abertura na laje. De acordo com o laudo, o projeto estrutural do viaduto não havia considerado a concentração de tensões na laje. Quando o governo do Estado da Guanabara decidiu pela reconstrução do trecho do elevado, o acompanhamento da obra foi confiado ao mestre da engenharia.