Desenvolve 21: diminuindo o hiato entre o desenvolvimento tecnológico e o social
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Data: 06/07/2021
A Coppe/UFRJ e a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), promoveram, de 28 a 30 de junho, o workshop Desenvolve 21, primeiro evento internacional voltado para o desenvolvimento integrado de tecnologias sustentáveis em Energia, Oceanos e Saúde. O evento trouxe uma síntese e reflexão sobre o atual estágio dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), da ONU, conectando os três temas e buscando diminuir a lacuna entre a tecnologia com o aspecto social e as políticas públicas.
O workshop contou com a parceria do Atlantic International Research Center (AIR Centre) e da Global Sustainable Technology & Innovation Community (G-STIC), e com apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj) e do Parque Tecnológico da UFRJ. Participaram do evento os professores da Coppe Luiz Landau, Suzana Kahn, Maurício Tolmasquim, Segen Estefen, Guilherme Horta Travassos, Alexandre Evsukoff e o professor colaborador da Coppe Luiz Paulo Assad
O professor Luiz Landau, um dos organizadores do Desenvolve 21, explicou que, a partir desses três eixos centrais (Energia, Oceanos e Saúde) busca-se viabilizar o desenvolvimento de tecnologias e inovações sustentáveis que possam também ser replicadas em outras regiões do planeta; diminuir o hiato entre o desenvolvimento tecnológico e o social, e a efetivação de um intercâmbio científico, tecnológico e de inovação.
Para Paulo Gadelha, da Fiocruz, coorganizador do workshop, para que as metas dos ODS sejam atingidas é necessário que haja sinergia e complementaridade entre diferentes campos do conhecimento, a exemplo das Engenharias e das Ciências da Saúde. “Desregulamentada, a inovação busca o valor econômico e marginaliza o acesso, ampliando iniquidades. Então, é preciso regulamentação, para que o processo de inovação e a cadeia de produção convirjam para o bem social. Precisamos criar instrumentos que garantam que a inovação atenda às demandas sociais e não seja um objetivo em si mesmo”, alertou o pesquisador, em cuja avaliação, o evento teve o objetivo de pensar soluções tecnológicas integradas para que o desenvolvimento sustentável seja pensado no sentido holístico da agenda 2030, e intensificar a percepção da população sobre o tema.
Segundo Gadelha, o documento “O futuro que queremos”, aprovado no final da conferência Rio + 20 (2012), trouxe os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS), com as urgências e desafios na agenda internacional para2030. “Os objetivos do milênio eram fragmentados, na Agenda 2030 os objetivos são interconectados, se aplicam a qualquer lugar do global. É universal, indivisível, integrada e aspiracional. Estamos em um momento importante. Faltam 10 anos e há barreiras importantes para a implementação das ODSs”.
Para a vice-diretora da Coppe, professora Suzana Kahn, energia é uma questão central, e não há como crescer e se desenvolver sem aumentar o seu consumo. De acordo com a professora, o consumo per capita brasileiro é baixo, e por mais que se busque a eficiência energética e uma economia menos intensiva no uso de energia, o consumo desta irá aumentar. “A população tende a crescer, sobretudo nos países e regiões mais pobres, nos quais o consumo é baixo. Temos que pensar em como atender a esta demanda por energia com as restrições ambientais que estão postas em função da necessidade de mitigar as mudanças climáticas” avalia Suzana.
A professora do Programa de Engenharia de Transportes da Coppe avalia que uma possibilidade é atender a esta demanda por meio do aumento do uso de energias renováveis, da participação destas fontes na matriz energética. Ela explica que o mundo em transição energética é uma janela de oportunidades para o Brasil, por possuir todas as fontes de energia renovável. “Os planos de retomada econômica para o pós-pandemia estão todos considerando grandes investimentos nesta economia verde. Na Alemanha, com Angela Merkel, no Reino Unido, com Boris Johnson, nos Estados Unidos, com Joe Biden. Não é uma questão de ideologia, e sim de economia”, conclui Suzana Kahn.
Ponto de inflexão para a transição energética
O professor Maurício Tolmasquim falou sobre como a pandemia de Covid-19 pode ser um ponto de inflexão para a transição energética. “Esta crise pandêmica teve um efeito na medição de CO² semelhante (queda de 7%) ao das Guerras Mundiais ou da Grande Depressão. Segundo a ONU, a gente precisaria de uma queda de 7,6% nas emissões por ano para nos ajustarmos até 2030 ao cenário de 1,5% (de elevação da temperatura global em relação aos níveis pré-industriais). Claro que isso não é possível, então precisamos adaptar os rumos do desenvolvimento para que seja possível crescer sem emitir tanto gás carbônico”, ponderou Tolmasquim.
“A batalha sobre como investir na recuperação econômica vai definir o futuro, se a recuperação será baseada na velha economia de carbono ou será em desenvolvimento sustentável. Europa e EUA deram os passos em direção a uma economia verde”, afirmou o ex-presidente da Empresa de Pesquisa Energética (EPE).
“No Brasil, temos como nunca as condições para fazer a conversão do nosso sistema de geração de energia elétrica para um sistema renovável. Nossa matriz já é bastante renovável, mas devemos aproveitar as oportunidades – como a queda exponencial dos preços das energias eólica e fotovoltaica – de aumentar a renovabilidade da matriz. As crises sanitária e climática estão ligadas. Como os governos vão responder à primeira definirá como a humanidade estará preparada para a segunda”, avaliou Tolmasquim, professor do Programa de Planejamento Energético da Coppe.
O professor Luiz Paulo Assad, do Instituto de Geociências (Igeo) da UFRJ e professor colaborador do Programa de Engenharia Civil da Coppe, falou sobre a importância da coleta de dados oceanográficos e da equidade no acesso à informação. “Iniciamos a Década dos Oceanos (2021-2030). Mais de 70% da superfície do planeta é coberta por oceanos. O mar é a mais importante reserva de calor, prove comida, empregos, oxigênio, remove gás carbônico, energia, empregos. Mais de 40% da população global vive até 200 km da costa. A cada 15 mega cidades, 12 são costeiras. As populações dessas cidades devem aprender a como conviver com os recursos marinhos de maneira sustentável”, ponderou.
“A gente precisa coletar dados em longo prazo e de maneira sistemática e isso é caro. Há um deserto de dados no Atlântico Sul. No oceano não fronteiras nem distâncias, há conexões. Nós temos que entender a integração existente entre as escalas. Estamos no Rio de Janeiro, uma cidade voltada para o mar, mas inserida na Baía de Guanabara, que está na linha de costa brasileira, no Atlântico Sul, que faz parte do sistema maior que é o Oceano Atlântico. O que acontece em pontos diferentes da costa pode nos afetar. E o conhecimento que adquirimos deste lado do Atlântico pode ser importante para o outro lado. É importante aplicar o conceito de ‘leave no one behind (não deixar ninguém para trás)’, entender a heterogeneidade econômica e social para garantir equidade de informação e conhecimento”, avaliou Assad.
A chave para um futuro sustentável
O workshop contou com a presença de sir Robert Watson, principal autor do documento intitulado Making peace with Nature, publicado pelo Programa das Nações Unidas para o Meio-Ambiente (Pnuma), em fevereiro deste ano, e que trouxe uma síntese dos 25 mais importantes relatórios globais, feitos por 50 dos principais especialistas internacionais.
O relatório apontou que a extração de recursos naturais e produção de energia triplicaram em 50 anos, fazendo com que ¼ da superfície terrestre já tenha sido radicalmente transformada. “Mudança climática, degradação de solo e perda de biodiversidade são problemas que se retroalimentam. O mundo já está 1º C mais quente que há um século, acelerando a subida dos níveis do mar e tornando mais frequentes os eventos extremos. A mudança climática será o motor da perda de biodiversidade nas próximas décadas. Um milhão de espécies vegetais e animais estão ameaçadas de extinção e 3,2 bilhões de pessoas são afetadas pela degradação do solo no mundo todo. Transformar a relação da humanidade com a natureza é chave para um futuro sustentável”, afirmou o pesquisador britânico.
“Estamos longe do caminho para o cumprimento das metas do Acordo de Paris. Na verdade, nós estamos no caminho para aquecimento de 3 a 4 graus acima dos níveis pré-industriais. A sociedade precisa incluir o capital natural no processo de decisão, eliminar subsídios ambientalmente nocivos, abraçar uma economia circular”, recomendou Robert Watson.
Jerry Miller presidente do Science for Decisions, trouxe um prognóstico alarmante, que em 2050, haverá mais plástico do que peixes no oceano. “Em cem anos, este produto feito pelo homem igualará uma criatura biológica. Isso nos leva a questionamentos. Como conseguimos perceber os sinais de um desastre ambiental? Conseguiremos tornar nossas cidades costeiras resilientes à mudança climática ou elas estão condenadas?”
A ex-ministra do Meio-Ambiente, Izabella Teixeira, destacou que o desenvolvimento sustentável é a nova expressão do humanismo, no século XXI, e que ele guarda forte vinculação com os regimes democráticos. “Os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável são um framework para as políticas públicas globais. Fragilizar esses objetivos , como se nota na Amazônia, uma bacia hidrográfica composta por países de renda média, mas as populações locais são de baixa renda”, ponderou Izabella, atualmente copresidente da comissão de recursos naturais da ONU.
“Não temos como manter os padrões de consumo. O planeta não conseguirá manter 10 bilhões de pessoas com os padrões habituais. Como isso vai ser modelado em função das mudanças do sistema multilateral, se o Green Deal europeu propõe uma rota, o Green Deal americano e a civilização ecológica chinesa outras? Como impactar de maneira solidária o mundo é a questão que se coloca no contexto político no mundo, e ela requer engajamento e mudança de processo decisório”, avaliou a ex-ministra.
Covid-19: milhões de pessoas com sequelas
O workshop contou com uma apresentação da pesquisadora da Fundação Oswaldo Cruz, Margareth Dalcolmo, sobre o tema “Covid 19: O que aprendemos e seu legado”. De acordo com a pesquisadora, a Covid-19 é uma endotelite sistêmica. Uma doença que apresenta duas fases, respiratória e circulatória, e que ataca o endotélio (tecido que reveste o interior dos vasos sanguíneos), comprometendo a microcirculação do corpo todo, com a liberação de citocinas.
Segundo Margareth Dalcolmo, medicamentos que têm sido, irresponsavelmente, adotados em tratamento “precoce”, como azitromicina, cloroquina, ivermectina foram testados e falharam. “Novos antivirais estão sendo testados, como favipiravir e monovirapir. O remdesevir é indicado apenas em terapia intensiva fora da intubação. Corticoides, como a dexametasona, mostraram grande importância em pacientes graves, e anticorpos monoclonais com resultados de fase 3, associados a corticoides, tiveram resultados muito bons para não internados”, informou a pneumologista, que alertou que a reabilitação será um grande desafio. “Teremos milhões de pessoas com síndrome pós-Covid, a chamada Covid longa: sequelas respiratórias, neurológicas, vasculares e psiquiátricas”.
Dalcolmo destacou a pronta resposta da comunidade científica à crise sanitária global. “Houve um tsunami de publicações sobre Covid-19, já são mais de 100 mil de todas as áreas do conhecimento. Em menos de um ano, 88 ensaios clínicos de vacina é algo que nunca se imaginou possível”.
No entanto, apesar de iniciativas como a Covax Facility, o esforço global não se traduziu em equidade de acesso. “Dez países adquiriram 75% das vacinas disponíveis. No nosso caso em particular, o Brasil foi ótimo para ensaios clínicos e péssimo para a compra previdente de vacinas”, criticou a pesquisadora da Fiocruz.
O professor Guilherme Horta Travassos, da Coppe, falou sobre a formação de grupos multidisciplinares na UFRJ para o enfrentamento da Covid-19. “Estávamos em um voo às cegas, buscando entender como a pandemia evoluía no estado do Rio de Janeiro. Então, desenvolvemos o covidímetro, modelo preditivo, para apoiar a evolução e previsão de risco no estado, para mensurar a taxa R, a taxa de contágio, quanto cada indivíduo pode infectar outros indivíduos. O desafio é termos dados integrados entre os diversos sistemas e disponibilizados de maneira tempestiva”.
Travassos citou outros projetos como o VexCo, ventilador pulmonar de exceção, de baixo custo e sistemas de oximetria, “já bem avançados em testes de campo, com pacientes em enfermaria, monitoram continuamente dados de saturação, temperatura e frequência cardíaca. Uma versão de uso residencial está sendo produzida. Eles são resultados de grande esforço coletivo e multidisciplinar que ocorre na UFRJ”, destacou o professor do Programa de Engenharia de Sistemas e Computação.
Covid-19 e a desigualdade: a maior comorbidade é o CEP
Jorge Abrahão, coordenador geral do Instituto Cidades Sustentáveis, apresentou o Índice de desenvolvimento sustentável das cidades, feito pelo Instituto, e que classifica 770 cidades brasileiras de acordo com os 17 ODS. “São questões como redução de desigualdades, desenvolvimento sustentável, transparência e participação, modernização da gestão pública, democracia, equidade de gênero. Conseguimos ter o perfil da cidade, a nota para cada ODS e o caminho que falta. O município de Morungaba (SP) tem a maior nota do país (77,4), tem alto desenvolvimento sustentável e percorreu 3/4 do caminho para 2030”, explicou.
De acordo com Abrahão, o Mapa da Desigualdade de São Paulo mostra que a expectativa de vida é 81 anos no Jardim Paulista e de 58 anos no Jardim Angela, evidenciando o tamanho da desigualdade na mesma cidade. “Não há moradias consideradas precárias no centro expandido de São Paulo, nas periferias as moradias precárias chegam a 30%. A partir destes dados temos propostas para as cidades, para que elas caminhem para o desenvolvimento sustentável e gerem qualidade de vida para as pessoas. Para enfrentar as mudanças climáticas e outros desafios, precisamos de aperfeiçoamento na democracia. É a política que manda. Quando temos políticos comprometidos e sensíveis para esta agenda, é quando conseguimos ter os maiores avanços”.
“Nós verificamos a taxa de mortalidade por Covid-19 em cada bairro da cidade de São Paulo e buscamos a correlação. A letalidade foi muito maior na Zona Norte e na Zona Leste da cidade. A relação da desigualdade com as mortes por Covid é evidente. A grande comorbidade na cidade de São Paulo foi o CEP e essa é a grande questão a enfrentar”, avaliou Jorge Abrahão.
Potencial para aproveitamento das energias oceânicas
O professor Segen Estefen, do Programa de Engenharia Oceânica (PEnO) da Coppe, falou sobre projetos liderados pelo Grupo de Energias Renováveis Oceânicas da UFRJ, como o protótipo de usina de ondas que foi testado no Porto de Pecém (CE), por quatro anos, com capacidade de geração de 100 Kw/h, e um protótipo de conversão de ondas nearshore, ainda em fase laboratorial, que será instalado na Ilha Rasa, a 100m da praia de Copacabana, em projeto apoiado por Furnas.
“O Brasil tem grande potencial para todas as fontes oceânicas, para desenvolvimento econômico e social. O país tem 8500 km de costa, banhando 17 estados, 463 cidades, e concentra 25% da população brasileira. A zona econômica exclusiva é quase do tamanho da metade do território brasileiro. Há muito potencial para geração eólica offshore, sobretudo no Nordeste, mas também no Sudeste e Sul. O país precisa de um plano nacional para aproveitamento da eólica offshore e também para produção de hidrogênio verde. Há um grande potencial de emprego e renda para esta blue economy”, avaliou Segen, coordenador do Laboratório de Tecnologia Submarina (LTS) da Coppe.
O professor Alexandre Evsukoff, do Programa de Engenharia Civil (PEC) da Coppe, apresentou o Centro de Excelência em Transformação Digital e Inteligência Artificial do estado do Rio de Janeiro (Hub.Rio), iniciativa lançada em 2020, para reunir e alavancar ativos do estado para ofertar soluções tecnológicas contemporâneas ancoradas em Inteligência Artificial, e liderada pela Coppe e pelo Laboratório Nacional de Computação Científica (LNCC).
“O Hub.Rio conta com a participação de empresas do ecossistema de inovação da UFRJ e busca estruturar a rede temática interdisciplinar e produzir soluções tecnologicamente inovadoras, envolvendo transformação digital e técnicas de Inteligência Artificial (IA). Assim, levar as inovações e desenvolvimento cientifico e tecnológico gerado na rede diretamente para o mercado”, explica Evsukoff.
PNE 2050: alinhando o Brasil aos esforços internacionais
Giovani Machado, diretor de Estudos Econômico- energéticos e Ambientais da EPE, falou sobre o Plano Nacional de Energia (PNE) 2050 e listou os objetivos do Plano como alinhar o país aos esforços de combate às mudanças climáticas e preservação ambiental, garantir segurança energética, fornecimento e confiabilidade, e colocar a energia como fator fundamental para o desenvolvimento econômico e a equidade.
Segundo Giovani, a EPE estima que até 2050, a demanda energética seja 2,2 vezes maior do que o ano-referência de 2015 e a demanda elétrica 3,3 vezes maior. “Além disso, ainda é grande a pobreza energética do país, com baixos níveis de consumo per capita. Por isso, é preciso promover o melhor uso dos recursos energéticos nacionais, sob desenho de mercados competitivos e efetiva governança institucional, que permitam inovação tecnológica e transição energética, a fim de construir o desenvolvimento sustentável de longo prazo do Brasil”.
“A transição é um processo e não uma virada de chave, algumas áreas vão mudar mais rápido, outras mais lentamente e mesmo as mais tradicionais apresentarão uma cesta de produtos diferente com o passar do tempo. Por exemplo, veremos a transformação de refinarias em complexos energéticos que forneçam diversos outros serviços, incluindo biomassa e sequestro de carbono. As plantas de biocombustíveis vão se inserir de forma mais ampla, com economias de escopo e pool de receitas mais amplo. Mas, as compensações florestais e mercado de carbono ainda terão um papel importante na transição brasileira”, exemplificou o pesquisador, que fez seu mestrado e doutorado no Programa de Planejamento Energético (PPE) da Coppe.
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