Especialistas discutem propostas para tornar a engenharia e indústria brasileiras mais inovadoras e competitivas
Planeta COPPE / Notícias
Data: 23/05/2016
A Coppe/UFRJ reuniu, dia 17 de maio, especialistas de várias instituições para discutir formas de fortalecer a engenharia nacional. A criação de cursos de doutorado com ênfase em inovação, o estímulo às startups e a criação de uma instituição que ajude a levar o conhecimento ao mercado foram algumas das propostas sugeridas por eles para tornar a engenharia e a indústria brasileiras mais inovadoras e competitivas.
O evento reuniu na mesa de debate os professores Jorge Guimarães, presidente da Embrapii; Pedricto Rocha Filho, diretor de Inovação, da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep); Roberto Boisson de Marca, da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio); Pedro Celestino, presidente do Clube de Engenharia, Edson Watanabe, diretor da Coppe, Luiz Pinguelli Rosa diretor de Relações Institucionais da Coppe, Angela Uller, coordenadora da Unidade Embrapii-Coppe de Engenharia Submarina; e Claudio Habert, do Programa de Engenharia Química da Coppe.
A necessidade de tornar mais eficiente a transferência do conhecimento da universidade para a indústria foi um dos pontos defendidos por todos os palestrantes. Segundo o diretor da Coppe, teses, artigos e patentes têm valor de mercado quando são transformados em produtos e serviços. “Inovação não é só uma boa ideia. Ela tem que funcionar e ser aprovada pelo mercado, e o apoio estatal à inovação é fundamental. Nos Estados Unidos, foram a NASA e o Departamento de Defesa que fomentaram a inovação tecnológica”, explicou.
O diretor da Coppe citou a escala de maturidade tecnológica desenvolvida e utilizada pela Agência Aeroespacial Americana (NASA) para avaliar se uma tecnologia está pronta para ser colocada à disposição da sociedade. “A escala vai do TRL1, a idéia básica, ao TRL9, quando o produto é testado com êxito e está pronto para ir ao mercado. No Brasil há um gap entre os TRLs 5 e 9. Isso porque poucas empresas fazem pesquisa e desenvolvimento nesse nível. Alguns projetos da Coppe, por exemplo, como o ônibus híbrido a hidrogênio e o trem de levitação magnética (Maglev-Cobra), se encontram no estágio TRL6 (demonstração do protótipo em ambiente relevante). Quem vai fazer o teste 7 e 8? Se formos nós a fazer, deixaremos de ser uma universidade para virar uma fábrica”, ponderou Watanabe.
Para tirar os projetos da prateleira
A professora Angela Uller destacou a experiência exitosa da BioZeus, empresa biofarmacêutica brasileira criada em 2012 com o objetivo de fazer o elo entre a pesquisa acadêmica, protegida por patente, e a indústria farmacêutica, de forma a disponibilizar à sociedade a inovação gerada nas universidades.
“Acho que a Coppe poderia criar um programa de estímulo às startups e o doutorado com ênfase em inovação. Há várias outras questões a abordar, mas essas três já seriam uma boa pauta para começar”, propôs.
O professor Habert apresentou uma proposta do seu programa para a criação de um curso de doutorado com ênfase em inovação industrial. O novo curso teria duração de três anos e o tema de pesquisa seria selecionado em conjunto com uma empresa.
Neste caso, a proteção intelectual seria definida desde o início, com incentivo ao empreendedorismo e colaboração com a Incubadora de Empresas da Coppe e demais empresas estabelecidas no Parque Tecnológica da UFRJ.
“O projeto pedagógico seria acompanhado pelo orientador acadêmico, por um pesquisador pós-doc e por um tutor da empresa. Já o orçamento inicial do projeto piloto, para custear 10 bolsas, pelos três anos de curso, seria de R$1,8 milhão (600 mil reais por ano)”, adiantou.
Para o professor Segen Estefen, a Coppe possui um bom cabedal de conhecimentos e laboratórios e a Embrapii pode ser o complemento que estava faltando. “Mas é necessário elencar temas prioritários de pesquisa em engenharia. A meu ver, fortalecer a engenharia nacional passa por desenvolver projetos conceituais e trazer empresas nacionais para os concretizarem. Precisamos ter foco para não haver retrocessos”, enfatizou.
Brasil precisa formar mais engenheiros
O presidente da Embrapii, Jorge Guimarães, forneceu com riqueza de estatísticas o panorama da engenharia nacional, em comparação ao cenário internacional. Segundo Guimarães, os países desenvolvidos aplicam pelo menos 2% do orçamento em ciência e tecnologia e têm 3 mil cientistas e engenheiros por milhão de habitantes. Israel, o país mais inovador do mundo, tem oito mil engenheiros e cientistas por milhão de habitantes, e investe 4,3% em C&T. O Brasil, por sua vez, investe apenas 1,2% em C&T e tem 700 engenheiros e cientistas por milhão de habitantes.
Guimarães ressalvou que, apesar disso, a ciência nacional tem pontos fortes como a pós-graduação, a produção científica e a qualidade da pesquisa. “A nossa pós-graduação já começou bem e a história da Coppe é prova disso. Expandimos o número de pós-graduandos de 18 para 20 mil, de 2004 a 2014.O Brasil foi o 18º país que mais produziu pesquisas em engenharia, no período 2009 -2013. Em 2013, especificamente, foi o 15º, o que demonstra uma trajetória de crescimento”, avaliou.
“Em 2011, formamos 743 mil alunos de graduação, dois a cada três foram formados em instituições privadas de ensino. Com honrosas exceções, como a PUC, a qualidade de ensino não é adequada. Temos um quadro preocupante na formação de jovens graduados, e a evasão continua alta. Fizemos os cálculos, e com investimentos de R$ 1,2 bilhão seria possível duplicar a formação de engenheiros, em cinco anos. Uma das melhores ferramentas para isso é a bolsa permanência”, analisou Guimarães.
Conjuntura: incertezas e risco de retrocesso
O professor Pedricto Rocha lembrou a perda de competitividade da indústria nacional, que é objeto frequente de reportagens em jornais de grande circulação. “A grande imprensa tem divulgado, em comparação com as principais nações desenvolvidas e em desenvolvimento. A produtividade do trabalho de um brasileiro equivaleria, segundo esses rankings, a 1/4 da produtividade de um americano. Mas, há um impacto social que não é levado em conta no cálculo da produtividade, como a entrada de trabalhadores no mercado formal”, relatou.
O diretor da Finep ressaltou também, que o investimento em pesquisa e desenvolvimento é preponderantemente público no Brasil. “Para cada dólar que o governo sul-coreano investe em pesquisa e desenvolvimento, as empresas investem quatro. Aqui, é o contrário, as empresas, salvo exceções como a Petrobras, investem muito pouco”, criticou Pedricto.
Pedro Celestino fez a sua análise de conjuntura, sem descuidar de avaliar a trajetória histórica, relembrando os diversos planos de investimentos pensados para projetar o desenvolvimento do país, sob uma ótica nacionalista, como o Plano Salte (no governo do presidente Dutra), Plano de Metas (governo de Juscelino Kubitschek), e os Planos Nacionais de Desenvolvimento PNDs (no regime militar).
“Nos anos 1950, a Coreia vinha de uma guerra e tinha 80% de analfabetos em sua população. O governo respondeu a isso investindo em educação básica. Enquanto isso, o Brasil pôs seu esforço no Mobral e começou a patinar. Dos anos 1990 para cá, perdemos a capacidade de planejar e o Deus mercado tomou seu lugar”, lamentou o presidente do Clube de Engenharia.
Na avaliação de Celestino, a Petrobras é mais prejudicada pelas consequências da Lava-Jato do que pela operação em si. “A venda indiscriminada de seus ativos vai torná-la uma mera vendedora de óleo e não uma empresa integrada. Isso, a bem da verdade, começou no governo Dilma. Caso esse projeto se consolide, não teremos mais a Petrobras como âncora do desenvolvimento do país. Meu temor não é um retrocesso de 10 anos e sim de 70. Nos tornamos a ponta das economias agroexportadoras e perdermos o que construímos de 1950 para cá”, alertou.
Professor Luiz Pinguelli concordou com o receio de Celestino.”Vivemos um momento de incertezas. A Dilma pode reassumir o mandato, esse governo pode se manter, dar certo e retomar o desenvolvimento. Mas, o que se coloca é um projeto de desmonte das conquistas edificadas”, analisou Pinguelli.
Celestino defendeu que o país enfrente interesses corporativos e abra seu mercado de trabalho para absorver mão de obra qualificada nos setores onde a oferta seja insuficiente. “A Noruega está com petróleo acabando e tem expertise fantástica em offshore. Vamos abrir o mercado para as empresas norueguesas. Deixe entrar trabalhadores, máquinas, fábricas, coloque imposto zero. Teríamos muito a ganhar”, defendeu o engenheiro.