Estudo mostra a transformação tecnológica da indústria chinesa
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Data: 26/01/2012
O consumidor brasileiro pode não ter percebido ainda, mas o perfil da indústria da China, cuja competitividade sempre foi associada popularmente aos baixos custos de mão-de-obra, está mudando. Com a inserção crescente de inovações tecnológicas em seus processos produtivos, a indústria chinesa começa a ser conhecida pela sua capacidade, sofisticação e, em alguns segmentos, pela liderança.
As principais transformações ocorridas na indústria do país foram analisadas pela pesquisa “Tecnologia e Competitividade em Setores Básicos da Indústria Chinesa: Estudos de Caso”, que a Coppe/UFRJ apresentou em seminário, dia 25 de novembro, em seu auditório, na Cidade Universitária, no Rio de Janeiro. O projeto foi encomendado pela Secretaria de Assuntos Estratégicos (SAE), da Presidência da República.
O seminário contou com as presenças do ministro-chefe da SAE, Wellington Moreira Franco; do vice-reitor da UFRJ, professor Antônio Ledo; do diretor da Coppe, professor Luiz Pinguelli Rosa; do vice-diretor, professor Aquilino Senra; do ex-secretário executivo da SAE, Luiz Alfredo Salomão, que estava na Secretaria na época em que a pesquisa foi iniciada; e da equipe responsável pelo projeto, coordenada pelo professor Adriano Proença e formada pelos professores Claudio Habert, Maurício Aredes e Sergio de Souza Camargo Jr.
“O objetivo do estudo foi abordar prospectivamente casos selecionados de empresas nos setores eletro-eletrônico, químico e metal-mecânico da China, tidos como básicos para o desenvolvimento, para analisar a dimensão tecnológica da competitividade das firmas chinesas”, explicou o professor Adriano Proença, do Programa de Engenharia de Produção da Coppe. Segundo ele, o trabalho também aponta iniciativas chinesas que podem ser aplicadas na indústria do Brasil além de ações de intercâmbio entre os dois países.
O coordenador do estudo falou sobre o projeto, o contexto da República Popular da China, tecnologia e inovação na indústria chinesa. Ao falar sobre gestão da inovação, Adriano Proença usou como exemplo o caso da Haier, uma indústria de eletrodomésticos, que iniciou suas atividades apoiada pela prefeitura local e hoje é responsável pelo terceiro maior market-share de produtos de linha branca do mundo. Com lançamentos sistemáticos de soluções criativas, a custos competitivos, para diversos segmentos de mercado, a empresa vem investindo em capacitação tecnológica e em inovações secundárias cada vez mais avançadas. Resultado dessa estratégia, as receitas da Haier chegaram a USD 17,5 bilhões, em 2008, dos quais USD 4,5 bilhões vieram de unidades localizadas fora da China continental.
Presente em vários países, a Haier possui 16 parques industriais, 12 deles na China, e 29 instalações de produção, sendo cinco no país. A empresa possui, ainda, três centros de P&D & Design na China e outros cinco no exterior. Conta com 50 mil empregados e mais 175 mil funcionários terceirizados. Em abril de 2006, a Haier já acumulava mais de 6 mil patentes.
Em relação à competitividade e tecnologia, Adriano Proença explica que as empresas chinesas estão profundamente engajadas em migrar de posições de baixo custo apoiadas em uma força de trabalho mais barata, para a oferta, a menor preço, de produtos e serviços com graus crescentes de sofisticação tecnológica. “Políticas públicas dos governos central, provinciais e locais, induzem e suportam o desenvolvimento tecnológico das firmas chinesas e sua internacionalização, e buscam fazer avançar o tecido produtivo em direção a inovações ‘cada vez mais próximas de primárias’”, afirma.
Ao falar sobre gestão e planejamento público, o professor Adriano Proença fez considerações a respeito da aplicação no Brasil de estratégias adotadas pela China. “É importante refletir e buscar mecanismos para planejamento governamental no Brasil inspirados no que se possa aprender com a China, reconhecendo a especificidade da história e do regime político chinês”, explicou.
Para o professor Adriano Proença, as transformações da indústria chinesa têm relação direta com a ampliação dos investimentos da República Popular da China em atividades de pesquisa e desenvolvimento. O percentual do Produto Interno Bruto aplicado em P&D, que em 1996 era de 0,6%, passou para 1,5% em 2008. Um investimento considerável se levarmos em conta que o PIB chinês em 2010, segundo o Banco Mundial, somou USD 5,88 trilhões. Mas há outros fatores que explicam a arrancada da indústria do país. O número de profissionais formados anualmente em nível superior saltou de cerca de 800 mil, em 1997, para mais de 5 milhões, em 2009, sendo que, destes, cerca de 2 milhões são formados em ciências exatas e engenharias. Nos últimos anos também foi registrada uma evolução dos salários na China.
Na área da indústria de eletro-eletrônicos, o professor Maurício Aredes, do Programa de Engenharia Elétrica da Coppe, deu como exemplo os casos das empresas Guodian e Tianwei, fabricantes de turbinas eólicas.
Maurício Aredes destacou no estudo o crescimento da área de energia eólica. A China possui atualmente o maior parque eólico do mundo em potência instalada, com 44,7 GW, o que corresponde a 23% do total mundial. Com isso, ultrapassou países como Estados Unidos e Alemanha, tradicionais usuários da energia dos ventos. O professor abordou também as projeções de crescimento da potência instalada do setor elétrico chinês, que deve passar de 960 GW, em 2010, para 1.060 GW este ano. “O setor elétrico da China deve continuar a crescer quase um Brasil por ano nos próximos anos”, disse Aredes, referindo-se à potência instalada brasileira, que em 2010 foi de 113 GW.
O professor Maurício Aredes falou ainda sobre o desenvolvimento de equipamentos de ultra-alta tensão em correntes alternada e contínua em território chinês. “A replicação do aprendizado em contratos com multinacionais permitiu a fornecedores chineses oferecer alternativas que combinam qualidade aceitável com baixo custo”, explicou. Segundo Maurício Aredes, os principais equipamentos dos sistemas de transmissão em ultra-alta tensão já estão sendo fabricados com propriedade intelectual chinesa e os fabricantes do país estão aptos a atuar de forma competitiva em concorrências internacionais.
Responsável pela análise do setor metal-mecânico do estudo, o professor Sérgio Camargo, do Programa de Engenharia Metalúrgica e de Materiais da Coppe, destacou que o segmento foi responsável por 25% de toda produção industrial e por 7% do PIB da China em 2006. O país respondeu por 10,3% do total das exportações mundiais de bens de capital em 2010 e, dessa forma, já é o terceiro maior exportador de bens de capital do mundo. A China também já é o terceiro maior exportador de máquinas e equipamentos para o Brasil, com 13,2% das vendas, praticamente empada com a Alemanha (13,7%) e atrás dos Estados Unidos (25,2%). Esses números são relativos ao período janeiro a abril de 2011.
O professor Sergio Camargo apresentou o estudo de caso da Sany Heavy Industry, uma empresa privada, que surgiu como uma pequena empresa de soldagem, em 1989, e que, desde então, vem aumentando seu faturamento a uma média anual de cerca de 50%, chegando a RMB 33,941 bilhões, em 2010, o que equivale a US$ 5,5 bilhões. Especializada em maquinário de grande porte, é a maior produtora mundial de máquinas para concreto e produz também máquinas para construção de rodovias, escavação, perfuração e elevação, além de equipamentos portuários.
Segundo Sergio Camargo, a Sany mantém uma forte política de pesquisa, desenvolvimento e inovação, investindo de 5 a 7% do faturamento em atividades de P&D de equipamentos. “Dos cerca de 53 mil funcionários da Sany, cerca de 5 mil estão envolvidos nos laboratórios de P&D. A empresa possui cerca de 300 pesquisadores de nível internacional, 30 laboratórios de P&D coordenados por um instituto, um centro de trabalho de pós-doutoramento e um centro de super computação”, explica. Vale registrar que há um forte incentivo à inovação, com a distribuição de elevados prêmios em dinheiro aos funcionários. Um deles chegou a receber RMB 18 milhões em 2010.
A análise da indústria química do estudo coube ao professor Claudio Habert, do Programa de Engenharia Química da Coppe, que também avaliou casos de empresas e fez considerações sobre a área de alta tecnologia. Segundo Habert, a indústria química chinesa é a segunda maior do mundo, com um faturamento de US$ 549 bilhões, em 2008, ficando atrás apenas dos Estados Unidos, que faturaram US$ 689 bilhões naquele ano. O Brasil aparecia em nono lugar, com um faturamento de US$ 122 bilhões.
De acordo com o professor Claudio Habert, a indústria química chinesa é amplamente apoiada pelo governo por meio de subsídios financeiros. Pela sua natureza abrangente e historicamente pulverizada, foi reestruturada em gigantescos conglomerados. “Um exemplo é a estatal ChemChina, que reúne 130 empresas, 24 centros de pesquisa e se encontra em 28º lugar entre as 500 maiores empresas chinesas e em 19º entre as 100 maiores empresas químicas globais”, explica.
Claúdio Habert também esteve em outras duas empresas-modelo chinesas, a Nutrichem, que produz defensivos agrícolas, e a Desano, de fármacos. Segundo ele, as empresas exibem instalações, equipamentos, laboratórios de controle e instrumentação de alto nível, além de gestão tecnológica profissionalizada, padrões internacionais de segurança e estratégias de crescimento parecidas. “Essas empresas já estão com fatia de mercado local assegurada e iniciaram penetração no exterior pelo leste asiático e a Austrália. Agora, querem ampliar sua participação internacional e depois voltar-se novamente para o mercado chinês”, conta.
Embora de natureza diversificada, em função do segmento industrial, as características da inovação na China ficaram evidentes em vários laboratórios de alta tecnologia, como os associados à Academia Chinesa de Ciências (CAS), e nas indústrias de ponta (nanotecnologia e biotecnologia) visitados. Destaca-se um sistema extremamente competitivo, com fortes incentivos a parcerias empresas-laboratórios de pesquisa, valorização de patentes e criação de empresas de base tecnológica por pesquisadores, com temáticas inseridas em planos quinquenais de governo.
“A China se prepara para saltos qualitativos impressionantes, oriundos de uma política de longo prazo visando a conquista de fatias mais nobres, com maior valor agregado, do mercado mundial de produtos e processos. Um caso que chama a atenção, por exemplo, é o da tecnologia de biorreatores com membranas, a mais recente promessa no tratamento de esgotos domésticos e de efluentes industriais, que cresceu a taxa de 100% ao ano na China, enquanto globalmente registrava taxas de 10%. A disponibilidade de água também é estratégica para o pais e figura nos planos quinquenais”, afirma Habert.
Segundo o coordenador do projeto, professor Adriano Proença, a concepção da pesquisa foi iniciada em julho de 2010. A primeira visita dos professores ao país asiático foi realizada em janeiro de 2011, quando foram avaliados os casos do setor eletro-eletrônico, visitadas empresas chinesas, como Haier, Huawei e Shanghai Electric; empresas brasileiras na China, como Embraco-Snowflake e WEG; as universidades de Tsinghua e de Zhejiang; e instituições de pesquisa em tecnologia.
Na segunda missão à China, nos meses de março e abril deste ano, foram vistos casos dos setores químico e metal-mecânico e visitados laboratórios de alta tecnologia; instituições de pesquisa em tecnologia avançada; as universidades de Tsinghua e de Tianjing; e empresas como Sany, ChemChina, Nutrichem, Desano, Genius e Eurofilm, entre outras. Adriano Proença fez questão de destacar a importância da colaboração da Universidade de Tsinghua, para que a equipe pudesse ter acesso às empresas analisadas, às instituições e a uma série de dados sobre a indústria da China.
A versão integral do estudo será disponibilizada pela Secretaria de Assuntos Estratégicos (SAE) da Presidência da República em breve.
O desafio de aprender com a China
A grandiosidade da economia da China e a rápida transformação pela qual a indústria do país vem passando podem contribuir para a formulação de políticas públicas de estímulo ao setor industrial brasileiro. Para o ministro-chefe da Secretaria de Assuntos Estratégicos (SAE) da Presidência da República, Wellington Moreira Franco, é preciso aprender com a China. “É importante pensar a China de maneira mais cuidadosa. Isso é de fundamental importância para o nosso crescimento”, afirmou Moreira Franco. “É um desafio entender e aprender com a China”, disse.
Segundo o ministro, os resultados da pesquisa desenvolvida pela Coppe e de um outro trabalho encomendado pela SAE à Universidade de São Paulo (USP) devem estimular a realização de novos estudos. “Não podemos parar por aqui. Esse projeto vai indicar como nós devemos andar daqui para frente”, disse Moreira Franco, referindo-se à relação entre o Brasil e a China. Segundo ele, novos estudos sobre a China poderão ser apoiados. “Esse foi um primeiro passo. A expectativa é avançarmos cada vez mais”, afirmou. Durante o seminário, o ministro recebeu uma cópia da pesquisa, das mãos do diretor da Coppe, professor Luiz Pinguelli Rosa.
Ao abrir o seminário, o professor Luiz Pinguelli fez uma homenagem ao economista Antônio Barros de Castro, falecido este ano, lembrando que Castro via no estudo da China uma forma a mais de compreender o Brasil. “Este projeto pretende ser uma contribuição nesse sentido”, disse. O diretor da Coppe destacou, ainda, a importância do apoio dado ao estudo pela Universidade de Tsinghua e pela SAE. Segundo ele, a Secretaria também foi fundamental para a continuidade de um outro projeto da Coppe, o do trem de levitação magnética, que agora está sendo apoiado pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).
O vice-diretor da Coppe, professor Aquilino Senra, destacou a importância que este primeiro estudo pode ter para futuras iniciativas. “O Brasil e a China estão desenvolvendo projetos em diversas áreas através do Centro China-Brasil. A proposta de estudar o papel da tecnologia no crescimento da indústria chinesa é um deles”, explicou Aquilino Senra, referindo-se ao Centro criado em 2009 pela Coppe em parceria com a Universidade de Tsinghua. O vice-diretor da Coppe destacou que a experiência chinesa pode trazer novas contribuições para o setor elétrico brasileiro. “O Brasil precisa criar uma indústria de energia eólica e o Centro China-Brasil pode contribuir para isso”, afirmou.
A importância do estudo também foi enfatizada pelo vice-reitor da UFRJ, professor Antônio Ledo. Representando o reitor Carlos Antônio Levi, que estava em missão oficial em Lima, no Peru, Antônio Ledo disse que as comparações entre os dois países são muito interessantes. “O Brasil hoje se encontra em uma posição, que não pode deixar de pensar estrategicamente”, afirmou Ledo, lembrando que isso é fundamental para o desenvolvimento do país.
Para ter acesso ao estudo clique aqui.
Confira também a apresentação dos professores:
Indústria Eletro-eletrônica: casos e considerações – professor Maurício Aredes
Indústria Metal-Mecânica: casos e considerações – professor Sergio Camargo
Indústria Química e de Alta Tecnologia: casos e considerações – professor Claudio Habert