Grafiteiro fala de empreendedorismo para alunos da Engenharia da UFRJ
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Data: 03/10/2019
Uma história de superação. Como revitalizar sua comunidade por meio da arte? Foi essa a lição que o artista, Igor “Izy” Moreno, apresentou na aula de Empreendedorismo oferecida pela Coppe/UFRJ para estudantes de graduação do curso de Engenharia da Computação, ministrada pela aluna de doutorado do Programa de Engenharia de Produção (PEP), Aline Winckler Brufato.
Todas as sextas-feiras Aline convida um empreendedor para contar aos alunos a sua experiência e os desafios enfrentados em seu ramo de atuação. Pela primeira vez, a aula contou com a presença de um artista, alguém que se aventurou nas artes plásticas e nas ações sociais. A disciplina é ministrada em seu estágio de docência, sob a orientação dos professores do PEP, Roberto Bartholo e Francisco Duarte.
Na última sexta-feira, 28 de setembro, os alunos da Escola Politécnica (Poli/UFRJ) tiveram a companhia de dez jovens egressos do “Instituto Bola pra Frente”, uma organização não-governamental que oferece seis ciclos de formação complementar, orientação e acolhimento a crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade social no Complexo do Muquiço. O instituto reúne cerca de 20 mil pessoas em oito comunidades e abrange parte dos bairros de Deodoro e Guadalupe.
Na Coppe, os alunos foram recebidos no Laboratório de Tecnologia para o Desenvolvimento Social (LTDS), coordenado pelo professor Bartholo.
Sonhos feitos de tinta
Artista estabelecido na arte urbana, sobretudo na técnica do grafitti, com obras já expostas no Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB) e participação em projeto promovido pela Organização das Nações Unidas (ONU), Igor nasceu e cresceu no Complexo do Muquiço, e hoje é referência para jovens que estudam no instituto.
Igor falou sobre sua trajetória e de sua ligação com a arte, desde a infância. Primeiro, por influência do pai, pintor da Supervia. Depois, quando aos oito anos de idade conheceu o grafitti no Bola – como carinhosamente os jovens se referem ao instituto no qual encontraram acolhimento e inspiração. O interesse pela arte urbana foi estimulado pela ONG norueguesa DLW (Dream, Learn, Work), que oferecia cursos variados para os meninos e meninas da comunidade.
“Meu pai não acreditou que daria certo, pois não deu pra ele, e me dizia para arrumar um emprego normal. Lá de onde eu venho as pessoas abrem mão de fazer o que gostam pela necessidade. Por ter que ajudar em casa, as pessoas não correm atrás dos sonhos. Então, me tornei eletricista industrial. Tentei por um ano, desisti e comecei a comprar bonés e cordões na internet para revender. Também vendia camisas que eu mesmo desenhava. Depois, tomei uma ‘chamada’ do meu pai e ele me colocou pra ser eletricista automotivo, o que também não deu certo. Eu passava o dia embaixo de ônibus e vivia com as mãos sujas de graxa, imaginando que poderia ser tinta”, relembrou Izy.
O Muquiço perdeu um eletricista. Mas, ganhou um grafiteiro, um professor de arte, um empreendedor engajado em ações sociais, que busca revitalizar as comunidades em que atua, e que tem sua qualidade reconhecida.
Esse reconhecimento ficou claro quando Igor foi chamado para participar de duas exposições no Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB): a exposição do grafiteiro e pintor expressionista norte-americano Jean-Michel Basquiat (1960-1988), realizada em 2018, e a mostra Compartilhe Cultura, na qual Igor pintou um painel de 5 metros, frente e verso.
Referência, reconhecimento e retribuição
“Eu voltei para o Instituto, agora como professor, e criei projetos sociais, que me aproximaram das comunidades”, relatou Izy. Em um desses projetos, chamado “Caps” (bonés, em inglês), Igor atuava em instituições e escolas municipais, perguntando para os alunos quais eram seus sonhos. “A partir desses sonhos, fazemos estampas para bonés e vendemos esses bonés, com a renda sendo revertida para instituição ou escola”, contou.
“Também participei de um projeto, no qual pintávamos os sonhos dos moradores de rua, em telas ‘lambe-lambe’. Aquela pessoa que está ali, invisível para a sociedade, tem sonhos como todos nós”. Falando diretamente para os jovens do Bola pra Frente, seus vizinhos de comunidade, Izy acrescentou: “eu acredito que precisamos de sonho; estudo; referências (às vezes pode estar ao seu lado); satisfação (tem gente que espera ansiosamente pela sexta-feira para poder passar dois dias sem trabalhar. Não tem prazer no que faz); agradecer. Tudo o que fiz na minha vida, eu tentei de alguma forma retribuir ao lugar que saí”.
Igor encontrou duas maneiras de retribuir, implantando os projetos Cacau e Tintas, e o Fazendo a Diferença. No primeiro, com a distribuição de 1400 saquinhos com chocolates para crianças do Complexo do Muquiço, e o segundo, com a distribuição de cestas básicas na Fazenda Botafogo.
O exemplo de Igor Moreno é inspirador para seus vizinhos mais jovens, formados pelo Bola pra Frente. É o que revelou Ébano Raymundo, de 19 anos. “Eu passei por isso, eu também fui uma dessas crianças. Cheguei com seis anos de idade, em 2007. Quando você vê alguém que vive daquilo, você vê uma referência como ele está sendo, você não pensa só no grafitti, você aprende a buscar outros caminhos, pode ser a música, a dança. Isso me fez enxergar muitas coisas, e a gente se trata como família e leva isso muito a sério”, disse Ébano, que apesar dessa inspiração, quer trilhar um caminho diferente. “Meu sonho é vir pra cá, pra universidade, e estudar História”.
Igor “Izy” mantém um canal no YouTube, “Coé, Charlin?!” (charlin é uma gíria, como Igor chama seus amigos), desenvolvido graças a um edital da Secretaria do Audiovisual, do Ministério da Cultura, e também uma página no Instagram, na qual divulga alguns de seus trabalhos.
Ex-aluna da Coppe aumenta iniciativas de acolhimento
Os dez jovens que participaram da aula chegaram na Coppe acompanhados pela gerente de operações e professora do último ciclo (15-16 anos) do Instituto Bola pra Frente, Renata Siqueira. Aluna do doutorado em Engenharia de Produção da Coppe, Renata trabalha no Instituto desde 2011, e montou o que chamou de Grupo Focal para manter o acolhimento e processo formativo para os jovens que, tendo completado os seis ciclos de formação, ainda não estivessem plenamente inseridos no mercado de trabalho.
“Somos 40 meninos e meninas, de 16 a 20 anos. O que a gente sabe é que não queremos nos separar. As coisas ruins, como o medo e a violência, se tornam piores quando estamos sozinhos. Então é preciso aumentar os espaços e iniciativas de acolhimento, para caminharmos juntos”, explicou Renata.
O Instituto Bola Pra Frente foi criado em junho de 2000, pelo ex-jogador Jorginho, lateral-direito da seleção brasileira tetracampeã mundial em 1994, para ser uma ferramenta de transformação social na vida de crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade social nos bairros de Deodoro e Guadalupe, na Zona Norte do Rio de Janeiro. Em quase 20 anos, o Bola, como é chamado pelos formandos, já atendeu a mais de 15 mil crianças e adolescentes.
Segundo Renata, o Instituto passa por obras de ampliação, para o desenvolvimento de múltiplas competências e inteligências, com recursos aprovados via Lei de Incentivo ao Esporte. “Inscrevemos o projeto em 2010, mas só foi aprovado em 2018. No final desse ano as instalações ficam prontas. O Instituto terá 50 espaços, com sala de aula, de dança, artes plásticas, laboratórios de informática. Tem que ser um lugar de serviço, que atenda a comunidade e aos talentos que nela se encontram. O Perfil do Formando que criamos busca formar um adolescente plenamente alfabetizado, que tenha desenvolvido um planejamento de vida, comprometido com a comunidade, consciente dos seus direitos e deveres, saudável física e emocionalmente, e conhecedor da diversidade cultural”, concluiu a doutoranda do Programa de Engenharia de Produção.
Após a aula, Igor “Izy” e os dez formandos do Bola pra Frente participaram de uma visita guiada ao Espaço Coppe Miguel de Simoni e ao Laboratório de Realidade Virtual (Lab3D).