O olhar da periferia sobre alimentação sustentável
Planeta COPPE / Engenharia de Produção / Notícias
Data: 15/07/2016
A alimentação do futuro será a do passado. Essa é uma das conclusões de um estudo que ouviu jovens moradores da periferia, no Rio de Janeiro e em Londres, intitulado Food 2.0 – Futuro sustentável de alimentos: uma visão dos jovens do Rio e de Londres. O resultado da primeira parte do estudo foi apresentado no dia 16 de julho, durante o workshop Food 2.0: o olhar da periferia sobre a alimentação sustentável, realizado no Observatório das Favelas, na favela Nova Holanda, Complexo da Maré.
Hortas urbanas comunitárias próximas aos centros consumidores, cultivo de alimentos orgânicos, diversidade, inclusão social e maiores benefícios à saúde são algumas das principais tendências apontadas no estudo, coordenado pelo professor Roberto Bartholo, do Programa de Engenharia de Produção da Coppe/UFRJ e da professora Dorothea Kleine, da Royal Holloway, da Universidade de Londres. O estudo faz parte do Programa Fundo Newton RCUK-Faperj e conta com a parceria de outras duas unidades da UFRJ: Faculdade de Administração e Ciências Contábeis (Facc) e Instituto de Nutrição Josué de Castro.
Para fazer o levantamento no Rio foram realizadas quatro oficinas no Complexo da Maré, Zona Norte da cidade, com a participação de 18 jovens moradores de favelas, divididos em seis grupos com três membros cada. Os participantes passaram por 16 horas de oficina de alimentos, durante quatro dias, e no período de um mês se dedicaram à produção de vídeos sobre a alimentação do futuro, com assistência de professores e técnicos de audiovisual.
Os vídeos foram julgados por seis jurados. O filme do grupo vencedor ganhará uma viagem para Londres, na primeira quinzena de outubro, onde passará uma semana conhecendo as universidades e ONGs locais, e visitará supermercados e restaurantes, no intuito de observarem a cultura alimentar de outro país.
A pesquisadora Rita Afonso, do Laboratório de Tecnologia de Desenvolvimento Social (LTDS) da Coppe, explica que o objetivo é trazer novas ideias que possam ser aplicadas ou adaptadas em sua comunidade e replicadas em outras localidades.
“Durante as oficinas foi constatado que a maioria dos participantes desconhece a origem dos produtos que consome. Promovemos uma série de oficinas para que houvesse uma troca entre o conhecimento da universidade e a experiências das favelas, para mostrar como os jovens percebem essa questão do alimento”, explica Rita.
Segundo Rita, o objetivo é captar a visão que os jovens que moram na periferia das duas cidades têm em relação ao alimento que consomem e como acham que será a alimentação do futuro. “A ideia é também estimulá-los a produzir, nas próprias comunidades, uma alimentação mais saudável e acessível economicamente, a partir de troca de experiências”, explica a pesquisadora.
As oficinas foram escritas no edital de extensão da UFRJ, o que permitiu a participação dos alunos para trabalharem juntos com os moradores das favelas, sob orientação dos professores. Os participantes desenvolveram a dinâmica das oficinas, com a supervisão da equipe da Coppe.
Alunos prepararam refeições para moradores das comunidades durante oficinas
Durante os quatro dias de oficina, os moradores degustaram refeições preparadas por alunos de Gastronomia da UFRJ, e alguns chegaram a ajudar no processo. As refeições foram feitas de acordo com o tema de cada dia: cultura alimentar da periferia; desperdício de alimento; agricultura urbana e horta comunitária; formas de produção e consumo de alimentos. O pesquisador da Coppe, Ivan Bursztyn, explica que em cada oficina os alunos também levavam suas comidas habituais para compartilhar com os moradores. Segundo Bursztyn, todos os produtos usados no preparo das refeições para demonstração e degustação foram comprados na própria comunidade. A ideia era mostrar que fazer uma refeição saudável estava ao alcance de todos.
O que mais chamou a atenção dos moradores foram as formas de aproveitamento integral dos produtos, demonstradas na segunda oficina. O pesquisador da Coppe diz que eles ficaram surpresos com os exemplos dados, incluindo uma salada, que ele batizou de vietnamita. O prato foi preparado somente com cascas de cenoura, pepino e tomate, aproveitando assim uma parte dos produtos rica em vitaminas, que geralmente é descartada. Ivan Bursztyn diz que, além de evitar desperdícios, a prática não convencional pode gerar produtos saborosos e nutritivos, a exemplo de um bolo de casca de banana, de um doce de casca de abacaxi ou de melancia, e até mesmo de uma caponata feita também com casca de banana.
“Os jovens de periferia consomem muitos produtos industrializados por acharem mais prático e barato. O que buscamos fazer foi desconstruir essa visão, apresentando para eles novas opções. Demonstramos, na prática, que um hambúrguer industrializado pode ser substituído por um sanduíche similar, preparado a partir de carne comum, e que fica até mais saboroso. Os moradores ficaram surpresos ainda mais porque tudo foi feito na hora pelos alunos da UFRJ, comprovando a praticidade e simplicidade do processo”, explica Ivan, que também é professor de Alimentação e Sustentabilidade do Curso de Gastronomia do Instituto de Nutrição Josué de Castro da UFRJ.
Hortas comunitárias e abaixo o desperdício
A pesquisadora Rita Afonso chama atenção para o desperdício que há no Brasil até mesmo no comércio. Ela cita o exemplo das redes varejistas de produtos hortifrutigranjeiros, onde somente os produtos bonitos, com boa aparência, ficam disponíveis para venda e os que não estão com esse padrão são jogados fora. De acordo com ela, um legume é descartado porque murchou um pouco, ocorrendo o mesmo com um alface, por exemplo, só porque está fora da tamanho ou formato classificado como o ideal. “Tudo que é jogado fora desta forma continua com seu valor nutricional. O certo seria aproveitar até as cascas. Enquanto isso, em Londres há mercados somente para venda de vegetais, frutas e legumes feios”, compara a pesquisadora da Coppe.
O professor Roberto Bartholo, da Coppe, diz que a iniciativa busca fazer com que a periferia, em particular os jovens, apresente sua visão sobre a alimentação. “A ideia que se tem é que nas favelas as pessoas não comem. É uma ideia errada. O que acontece é que elas comem mal, principalmente por falta de conhecimento da origem do alimento. O nosso objetivo é propiciar este conhecimento e tornar possível que os próprios moradores passem a produzir de forma contínua boa parte do que necessitam consumir”, explica o professor da Coppe.
Segundo Bartholo, a questão de comer mal é uma característica do mundo contemporâneo. Mesmo o fato de pertencer às sociedades mais ricas não garante boa alimentação, a exemplo do que ocorre nos Estados Unidos, onde a população também é afetada por um dos males do século, que é a obesidade. Como, ao contrário da alta sociedade, moradores das comunidades carentes não têm fácil acesso a produtos mais nutritivos e saudáveis, o professor da Coppe considera o projeto muito importante para que se crie uma cadeia produtiva de alimentos saudáveis para consumo dos próprios moradores. Isto não só nas periferias do Rio, mas nas de outras cidades do Brasil e do mundo, a exemplo de Londres.
Como resultado, o professor da Coppe diz que em um primeiro momento o projeto pode estabelecer uma rede entre a sociedade e a universidade para ampliar o número de possibilidades de produção própria. Em seguida, pode propiciar maior troca de experiências entre as periferias das cidades e ainda fortalecer iniciativas já existentes voltadas para essa parte da população.
Etapa de Londres foi concluída
Em Londres o resultado já foi anunciado e os vencedores estiveram no Rio entre os dias 14 e 21 de fevereiro. Eles visitaram a Coppe, as comunidades da Maré e de Dona Marta (Botafogo), para conhecer uma favela, e foram à praia e ao Cristo Redentor. Os jovens britânicos também estiveram em pequenos sítios em Guapimirim, onde estão localizadas as plantações dos produtos oferecidos na feira orgânica realizada na UFRJ. Rita diz que os estudantes ficaram impressionados com os restaurantes a quilo, uma prática inexistente em Londres e que evita o desperdício de comida. Esta questão chamou a atenção deles porque a temática em que atuaram durante as oficinas de alimentação e de audiovisual foi justamente o desperdício e o hábito de jogar comida fora.
No Brasil, por questão de custo, foram realizadas oficinas somente de alimentação. Na fase de inscrição do programa, jovens de todas as favelas do Rio foram convidados por intermédio do Observatório de Favelas e da Universidade das Quebradas, que é ligada à UFRJ. “Tivemos 18 grupos inscritos, dos quais seis foram selecionamos para as oficinas, tendo como critério experiência mínima em produção audiovisual, comprovação de residência em favela e faixa etária de 18 a 29 anos”, explica Rita.
Sobre o Fundo Newton
O Fundo Newton foi criado pelo Conselho Nacional das Fundações Estaduais de Amparo à Pesquisa (Confap) do Brasil e pelo Conselho de Pesquisa do Reino Unido (RCUK, na sigla em inglês) para a realização de estudos em parceria, por meio de editais, que envolvam pesquisadores de universidades dos dois países ou de outros que já tenham atuação conjunta com a universidade britânica.
Em 2011 e 2012, os pesquisadores do LTDS da Coppe realizaram o primeiro projeto em parceria com a Royal Holloway, no âmbito do Fundo Newton, voltado para consumo consciente no Brasil e no Chile, onde contaram com a participação da Universidade Diego Portales. Com foco nas compras públicas sustentáveis realizadas pelos governos, o estudo teve como objetivo verificar se a população entendia que as aquisições eram feitas em seu nome, como contribuinte. Segundo a pesquisadora da Coppe, Rita Afonso, o resultado mostrou que não e que as pessoas que têm esta noção, este conhecimento, não tomam atitude para modificar o quadro.
Na pesquisa procuraram analisar que critério é utilizado e se o mesmo é adequado. Como exemplo cita que os hospitais servem vegetais que têm alto índice de agrotóxico, que pode ser prejudicial à saúde do paciente. Outra questão que Rita chama a atenção é a origem do papel comprado pelas instituições governamentais, que mesmo obedecendo a lei de licitação, pode ser prejudicial caso o fabricante contribua para o desmatamento.
Na época, pesquisadores de Londres e do Chile ficaram impressionados com a existência da lei específica para os colégios municipais do Brasil, que podem comprar produtos agroecológicos com preços 30% maior do que a média do mercado, para favorecer a agricultura familiar. Por não conter agrotóxicos, tais produtos permitem melhor alimentação dos alunos e maior economia local, fortalecendo a comunidade. Esta experiência foi a motivação para participarem do atual edital da Faperj e focarem nos jovens de periferias.