Pesquisa da COPPE revela as principais causas da ineficácia do Código de Trânsito Brasileiro que completou oito anos
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Data: 02/02/2006
O Código de Trânsito Brasileiro (CTB) completou oito anos em janeiro de 2006. Considerado teoricamente avançado pela maioria dos especialistas, na prática o código vem deixando muito a desejar. Uma pesquisa realizada na COPPE revela que a impunidade e a fiscalização ineficiente são os principais responsáveis pelo fracasso na aplicação do CTB. “Falta ação do poder público”, afirma a coordenadora da pesquisa, professora Marilita Braga, do Programa de Engenharia de Transportes da COPPE.
Ao entrar em vigor, em 1998, o CTB suscitou uma diminuição no número de mortes no trânsito nos três primeiros anos. De acordo com dados do Ministério da Saúde, o número de mortes por acidente de transporte no Brasil passou de 31.026, em 1998, para 29.645, no ano 2000. A partir de 2001, entretanto, voltou a crescer o número de mortes, ultrapassando os registros do ano de implantação do código. De 2001 a 2003, o número de mortes aumentou de 31.031 para 33.620.
Os dados revelam que as regiões responderam de forma diferenciada à implantação do CTB. No período de 1997 a 2002, nas regiões Sudeste e Sul constatou-se a redução de 23,2% e 10,5%, respectivamente, no número de mortes no trânsito. No entanto, o número voltou a crescer a partir de 2001 na região sudeste e em 2002 na região sul. Nas outras regiões, a aplicação do CTB fracassou de forma mais acentuada. Para se ter uma idéia, de 1997 a 2002, o número de mortes aumentou 28,6% na região norte, 20% na região Nordeste e 14,4% na região centro-oeste. Os piores resultados foram apresentados pelos estados do Piauí e Paraíba: 123,5% e 121,5%, respectivamente. Os que conseguiram as maiores reduções foram Rio de Janeiro (21%) e São Paulo (30,9%).
“Quando as pessoas perceberam que a fiscalização não era tão eficaz e que era possível burlar a punição aplicada a quem infringisse as regras, relaxaram e o número de delitos e de acidentes voltou a crescer”, explica o pesquisador Eloir de Oliveira Faria, que integra a equipe responsável pela elaboração do estudo.
Para analisar as possíveis causas que contribuíram para a ineficácia do CTB, 39 profissionais que atuam direta ou indiretamente na área de transportes responderam à pesquisa que se baseou em um formulário contendo 30 perguntas. Segundo os entrevistados, as principais causas da deficiência na aplicação da legislação são: fiscalização ineficiente; agentes de trânsito despreparados; o uso da fiscalização como instrumento de arrecadação e não como medida voltada para a segurança. Do total de entrevistados, cerca de 50% consideram que não há transparência no uso do dinheiro arrecadado com as multas.
Também foram ressaltados como fatores que contribuem para o fracasso do código a péssima integração entre os órgãos do Sistema Nacional de Trânsito (SNT), a morosidade na implantação do Registro Nacional de Infrações de Trânsito (RENAINF), a falta de profissionalização dos órgãos de trânsito, falhas e inconsistências nos bancos de dados de frota de veículos e de acidentes de trânsito.
O fato é que oito anos de vida não fizeram do CTB um instrumento eficaz para coibir infrações, delitos e acidentes de trânsito. “É lamentável que muitos artigos importantes ainda não tenham sido regulamentados, como os programas de prevenção de acidentes, normas para uso de sinalização e de soluções de engenharia de tráfego”, afirma Eloir. Também aguarda regulamentação para entrar em vigor a obrigatoriedade de novos exames para condutor condenado por graves delitos, a criação da escola pública de trânsito e as campanhas educativas sobre primeiros socorros.
Os entrevistados também apontaram outros itens como responsáveis pela ineficácia do código: falta de entrosamento entre Denatran, Detrans e prefeituras; campanhas educativas inadequadas; morosidade na suspensão do direito de dirigir de pessoas que cometeram infrações gravíssimas; fiscalização eletrônica sem critérios técnicos; criação da indústria de multas por empresas.
Segundo os pesquisadores da COPPE, os entrevistados ressaltaram as constantes batalhas judiciais sobre aspectos fundamentais do CTB como fatores que contribuem para o desrespeito à lei. As suspensões temporárias ou definitivas de multas e as anistias periódicas aos infratores são exemplos disso. Em 2002 e 2003 ocorreram ainda as batalhas judiciais questionando a competência das guardas municipais em exercer o poder de polícia de trânsito e a mudança no sistema de notificação das infrações de trânsito, que passou de notificação única para dupla – primeiro autua para depois aplicar a penalidade. “Já que um dia as notificações poderão ser perdoadas, as pessoas negligenciam e passam a cometer infrações que podem resultar em acidentes”, lamenta Eloir. Um exemplo recente veio do próprio Superior Tribunal de Justiça. Na decisão da 2ª Turma. O STJ permitiu a realização da vistoria anual dos veículos no Rio de Janeiro sem a quitação do pagamento de multas.
Segundo os entrevistados na pesquisas, o uso eleitoral da fiscalização de trânsito também contribuiu decisivamente para o descrédito do CTB. “Para auferir dividendos nas eleições municipais, muitos candidatos de oposição levantaram a bandeira da “indústria das multas”, prometendo cancelá-las. Quando chegaram ao poder, não puderam cancelar a maioria delas, pois estavam tecnicamente corretas”, comenta Marilita.
Pedestres e ciclistas são excluídos na aplicação do CTB
Os profissionais ouvidos na pesquisa consideram deficiência do código deixar ao encargo dos municípios a regulamentação sobre a circulação de pedestres e ciclistas. Também discordam do baixo valor das multas e da sinalização que identifica a localização dos radares. “Pouco planejamento e investimento em infra-estrutura não dá condições de circulação segura para ciclistas e pedestres. Também não é priorizada a educação para o trânsito. Para termos um trânsito mais seguro é preciso corrigir essas distorções”, afirma Eloir de Oliveira Faria.
Segundo Marilita Braga, “desde o início da década de 90, pesquisadores e profissionais do setor discutiram amplamente os conceitos necessários para a formulação de um código moderno e adequado às demandas atuais, bem como participaram ativamente para sua aprovação. Implantado há oito anos, o Código tem frustrado a população e os especialistas, pois não foi a tão esperada ferramenta contra a impunidade e a violência no trânsito”.
Entretanto, os pesquisadores da COPPE não estão desanimados. Eles acreditam que é preciso lutar para que o Código ideal seja efetivamente implementado e defendem a pressão da população e de especialistas sobre gestores e políticos. Eles sugerem, ainda, a formulação de uma lei ou resolução do Contran que obrigue o controle social dos transportes e do trânsito e a criação de conselhos, que tenham a participação de membros da sociedade civil, com poderes para fiscalizar a aplicação dos recursos obtidos com as multas de trânsito. “Um órgão executivo do Sistema Nacional de Trânsito somente seria credenciado como tal se criasse o conselho”, defendem.
“Lamentamos que os gestores não estejam efetivamente sensibilizados com a violência no trânsito. As mortes evitáveis, os elevados custos dos acidentes para a sociedade e a dor das famílias desestruturadas com estes acidentes precisam ser inseridas de fato na agenda do Brasil. Ações urgentes são necessárias, pois os números mostram que as mortes tendem a aumentar”, defende a professora da COPPE.