Sonho feito de tijolos: aluno da UFRJ lança campanha para construção de habitação social no Haiti

Planeta COPPE / Notícias

Data: 21/01/2019

O aluno da UFRJ Jac-Ssone Alert lançou uma campanha de financiamento coletivo para levar ao seu país, o Haiti, um projeto de habitação social com tecnologia desenvolvida e testada na Coppe. A proposta é iniciar a construção de uma pequena vila de casas resistentes e sustentáveis, o Village Marie, destinado a 15 famílias, em Duchity, sua cidade natal, que fica a oeste da capital haitiana, em Porto Príncipe. Trata-se de uma área negligenciada pelo poder público, que sofre com a falta de serviços e de empregos.

Graduado em Engenharia pela Escola Politécnica da UFRJ, Jac-Ssone pretende aplicar no país mais pobre das Américas o conceito de Solução Habitacional Simples (SHS) que aprendeu durante seu curso, sob a orientação do professor Leandro Torres di Gregorio. A proposta é que as casas sejam construídas pelas próprias famílias beneficiadas, em regime de mutirão, empregando na fabricação dos tijolos a técnica solo-cimento (mistura de solo, cimento e água, prensados), cuja composição e caracterização mecânica dos solos compósitos foram testadas no Laboratório de Estruturas (Labest), da Coppe.

Segundo Jac-Ssone, a precariedade das construções haitianas fez com que os desastres naturais gerassem um número muito maior de vítimas. “Não tendo poder público para construir casas, as pessoas fazem como podem, e constroem suas próprias moradias. A primeira preocupação das pessoas é ter o que comer e beber. Ter uma moradia realmente segura vem depois. É uma questão de sobrevivência, pois 80% da população não tem emprego. E casas frágeis nessas circunstâncias são fábricas de mortes”, explica.

O empreendimento social, cujo objetivo é levar moradias populares, segurança e autoestima aos integrantes da população do Haiti, foi previamente batizado “Village Marie”. O nome escolhido é uma homenagem a Marie Celiane Alexis, mãe de Jac-Ssone, falecida em 2016. A campanha de financiamento coletivo é realizada na modalidade “tudo ou nada”, o que significa que, se a meta não for alcançada, o dinheiro será devolvido aos doadores.

A meta do crowdfunding é arrecadar 45 mil reais, o suficiente para a aquisição de uma máquina para fabricação de tijolos, a partir do próprio solo e sem uso de energia elétrica, e para a construção da primeira casa. É o início de um plano urbanístico, que prevê o assentamento de 15 famílias, selecionadas de acordo com critérios de vulnerabilidade socioeconômica, e a posterior construção de posto de saúde, escola e área para o pequeno comércio, beneficiando os demais moradores da região.

As doações, a partir de R$ 20,00 (vinte Reais), podem ser feitas pela internet, no site  benfeitoria.com/villagemarie.  Os colaboradores terão seus nomes gravados em um tijolo, na “parede dos doadores”, que será erguida na comunidade. Os contribuintes receberão ainda uma cópia digital do livro (Re) construindo um Sonho, no qual Jac-Ssone conta a sua inspiradora história de vida e todos os detalhes do seu empreendimento digital. A versão impressa do livro está à venda e os recursos arrecadados também serão destinados ao projeto.

Sobre o Village Marie

O Village Marie será construído na localidade chamada Don de L´Amitié (Dom da Amizade, em francês), em um terreno doado por Ernest Alert, pai de Jac-Ssone, que o convenceu de que a área, de pouco valor comercial, poderia ser revertida em uma contribuição muito mais significativa para a comunidade.

Segundo o aluno da UFRJ, cada casa terá dois quartos, um banheiro, uma cozinha, uma sala e uma varanda, totalizando 54,15 m². Dependendo da necessidade da família, a casa pode ser ampliada para 63,74 m². Embora sejam simples, as moradias foram projetadas objetivando o conforto, a segurança, a sustentabilidade e a resiliência, e o resgate da autoestima dos mutirantes/beneficiários.

Cada “tijolinho” é bem-vindo neste abraço de solidariedade ao Haiti, um país devastado por um terremoto, em 2010, que deixou mais de 250 mil mortos, e pela passagem do furacão Matthew, em 2016.

“O meu país fica em uma região com duas falhas tectônicas e está em uma bacia que potencializa desastres naturais, além da incidência de furacões. O furacão Matthew foi categoria 4, com ventos 250 km/h, não existe possibilidade de uma barraca ficar de pé. Esse problema me inspirou. Eu já era estudante da UFRJ, e em contato com tantos professores brilhantes, pensava em como minha comunidade não tinha absolutamente nada. A situação me impulsionou a me tornar um empreendedor social. A gente precisa do governo, mas não pode esperar por ele. Se a gente começar a construir as casas, o governo vai ter que vir depois”, relata Jac-Ssone.

De acordo com o professor Leandro Torres, o projeto SHS é uma iniciativa de cunho acadêmico, organizada na forma de curso, para apresentar conhecimentos com potencial de facilitar o processo de (re) construção em situações de desastres e conflitos.

“A universidade somente disponibiliza o material didático do curso, sem custo, para quem desejar ter acesso. O material não foi desenvolvido para nenhum local em específico, e, portanto, deve ser obrigatoriamente avaliado e adaptado por quem deseje implementar qualquer de suas partes, com o auxílio de profissionais habilitados. Existem pesquisas em andamento sobre a aplicação da tecnologia de solo-cimento para construção de residências em situações sísmicas, porém os resultados ainda não são conclusivos, de modo que não há como afirmar nesse momento a viabilidade da tecnologia para esse tipo de situação. A UFRJ não se envolve nem se responsabiliza por nenhuma implementação”, esclarece o professor.

Jac-Ssone: sonho e determinação

Filho de Ernest Alert, um agricultor humilde que não pode aprender a ler e escrever, Jac-Ssone conta com orgulho que seu pai propiciou a ele e a seus dez irmãos a oportunidade de estudar, graças ao cultivo de feijão, milho, mandioca e banana, que pouco excedia a subsistência da família.

Jac-Ssone cresceu em um bairro sem iluminação pública, sem água encanada ou sistema de esgoto. Diariamente, após concluir o trabalho na roça, costumava estudar a luz de vela e de lampiões as lições aprendidas em uma escola precária, construída com lona e armação de bambu, cujos primeiros professores não tinham mais que o Ensino Fundamental completo. Após concluir o Ensino Médio, disputou as escassas vagas no sistema universitário haitiano com filhos da elite local, educados em bons colégios, e enfrentou sem sucesso o nepotismo que prevalecia no sistema de acesso. Mas as tentativas frustradas não o esmoreceram. Jac-Ssone resolveu buscar no exterior as oportunidades que não conseguia em seu país.

Em 2007, foi aprovado no concurso do Programa de Estudantes – Convênio de Graduação (PEC-G) e, em março do ano seguinte, sem saber falar português, desembarcou no Rio de Janeiro para cursar Odontologia na UFRJ. Já havia cursado três períodos e morava no Alojamento da UFRJ, quando recebeu a notícia do terremoto de sete graus na escala Richter que devastou seu país, sua cidade, seu bairro. A tragédia mudou seus planos de vida. Concorreu à bolsa de estudo e trocou a carreira de dentista pelo curso de Engenharia Civil. “Minha motivação era reconstruir aquilo que a Natureza derrubou”, relatou o aluno da UFRJ.

Em 2016, quando estava no último ano da graduação, sua mãe, Marie, faleceu. Dois meses mais tarde, seu bairro Don de l´Amitié foi destruído pelo furacão Matthew. A forma que Jac-Ssone encontrou para vencer o sofrimento e a saudade foi manter firme o objetivo de reconstruir Don de l´Amitié e dar dignidade aos seus vizinhos.

“O furacão e o terremoto trouxeram dor, mas trouxeram ensinamento, de que é possível fazer diferente do que foi feito ao longo do tempo. O governo normalmente faz as casas no pior lugar do mundo, não envolve as populações interessadas na solução e nem fornece infraestrutura. A minha ideia não é eliminar a ação do governo, nem a das comunidades carentes, e sim integrá-las. Fizemos o modelo de uma vila autossustentável para essas comunidades. Tem que ser parte planejada e parte orgânica, surgida do uso que as pessoas farão espontaneamente, para que possa dar certo”, acredita.

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