Universidades podem contribuir mais para a descarbonização da economia brasileira

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Data: 03/07/2023

No último dia 15, a Coppe/UFRJ, que está completando 60 anos, lançou o seu Centro Virtual de Soluções Tecnológicas de Baixo Carbono. Trata-se de iniciativa importante, cujo alcance vai além da criação de mais uma plataforma de conexão da universidade com a sociedade.

Nos últimos tempos, têm ganhado tração as discussões sobre a descarbonização da economia. Não faltam estudos sobre como produzir o hidrogênio verde mais barato, ou ureia, para facilitar o transporte e ampliar o uso, como desenvolver um combustível sustentável de aviação ou reduzir as emissões dos setores de siderurgia e cimento. Esses temas são relevantes, mas não basta pensar nos combustíveis do futuro. A transição energética não será tão rápida, simples e barata como muitos vinham pensando até recentemente. Deve vir acompanhada de segurança na oferta, como mostrou a invasão da Ucrânia, e de maior disponibilidade, a preços acessíveis, para permitir o acesso à eletricidade às centenas de milhões de pessoas que ainda vivem em condições precárias

Em função disso, a redução das emissões será mais lenta, cara e complexa. Embora se discuta a necessidade de não aprovar novos projetos de produção de carvão, petróleo e, até mesmo, gás, uma transição justa e segura dependerá do aumento da oferta de energia. Contrariando as expectativas de quem esperava uma evolução rápida, o uso dos hidrocarbonetos só tem crescido e a sua utilização ainda será necessária por várias décadas. Para reforçar essa tese, a Agência Internacional de Energia acaba de divulgar um relatório indicando que a demanda por petróleo vai crescer até 2028.

A transição também dependerá da redução das emissões associadas à produção e uso de carvão, petróleo e gás, de uma maior eficiência energética, de inovações tecnológicas, algumas disruptivas, e da criação de mecanismos de administração do uso de carbono, pelo menos nas economias mais desenvolvidas. Sem falar no controle do desflorestamento e das emissões oriundas da agropecuária e dos desafios associados à oferta dos minerais necessários para uma muito maior eletrificação da economia.

Uma vez que as soluções seguras e eficazes do ponto de vista ambiental e econômico ainda não estão disponíveis na escala adequada, parte da descarbonização virá de alternativas imperfeitas, à luz dos pensamentos mais puristas, mas eficientes, como a substituição de uma fonte mais poluente por outra, mais limpa. O caso mais evidente é o do gás natural, tido por uns como um combustível a evitar, mas que é muito menos poluente que o carvão. Por essa razão, o seu maior uso na geração tem sido um dos maiores fatores de redução de emissões.

Não será diferente no Brasil. A regulamentação do hidrogênio e da eólica offshore ainda não foi definida. Apesar disso, não faltam vozes dizendo que o País será líder mundial nesses setores e, até mesmo, em aço verde, produzido a partir de energias renováveis. O potencial está presente, mas a sua transformação em realidade depende de uma série de fatores, alguns difíceis de implementar em um país que sequer desenvolveu um entendimento mínimo sobre qual deve ser o papel do Estado na economia e que oscila entre a atração de capitais privados e o fortalecimento das empresas estatais a cada ciclo eleitoral. O que remete às intermináveis discussões sobre o papel do gás natural na matriz energética e no estímulo à industrialização, que vêm da época da construção do gasoduto Bolívia-Brasil.

Desde então, e especialmente após a descoberta do pré-sal, a expectativa de um maior uso do gás pela indústria brasileira tem estado presente. Os últimos governos lançaram programas para incentivar o seu consumo. Começou pelo Gás para Crescer, no período Temer, passou pelo Novo Mercado de Gás, da época Bolsonaro, e chegou ao atual Gás para Empregar. No entanto, a oferta doméstica não cresceu como esperado. Além da demora na construção de gasodutos marítimos, a injeção de gás nos reservatórios de petróleo tem sido apontada como outra possível causa da baixa oferta. Essa é mais uma questão que tem causado controvérsia.

Ao mesmo tempo em que a indústria demanda preços menores, as empresas produtoras alegam que as reservas não são relevantes e que é mais efetivo continuar injetando gás nos campos. É certo que as reservas brasileiras não estão entre as maiores e são, majoritariamente, associadas ao petróleo. No entanto, há campos com gás no pré-sal, como Pão de Açúcar e Júpiter. Como há reservatórios em que a necessidade de injeção é elevada.

Essa questão merece um estudo adequado. Ao aprovar novos projetos de produção, a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) poderia chancelar os níveis de injeção, definidos com base em critérios técnico-econômicos, se necessário com o apoio de alguma consultoria do setor. Dessa forma, se fossem identificados volumes disponíveis para exportação, essa definição deveria se dar antes da aprovação do investimento. Ao haver um procedimento técnico pré-estabelecido, as discussões seriam superadas e o País poderia fazer um planejamento adequado da futura disponibilidade de gás natural.

Como, para acelerar a descarbonização, não será suficiente desenvolver novas fonte de energia e promover um melhor aproveitamento do gás natural, serão necessárias inovações na forma de operar com as atuais tecnologias e processos. Por isso, o Centro Virtual de Soluções Tecnológicas de Baixo Carbono vem em bom momento. O aprofundamento da cooperação entre a academia e a indústria, do qual a Coppe é um bom exemplo, também vai ser importante para reduzir gradativamente a pegada de carbono das operações de produção e consumo de hidrocarbonetos, importantes para o Rio de Janeiro e para o Brasil.

No entanto, é desejável que outras instituições se juntem a esse esforço. Parece lógico, mas os desafios são muitos. Ao contrário do que ocorre em outros países, parte da comunidade acadêmica brasileira resiste a uma maior integração das universidades com o setor privado, e mesmo com ex-alunos, o que se reflete na falta de acesso a fundos privados que ajudem a custear as suas atividades. Defende um certo purismo na pesquisa e na produção científicas, desprezando, por razões ideológicas, a busca de soluções para problemas práticos de empresas privadas. As verbas de pesquisa, desenvolvimento e inovação só podem ser empregadas em entidades brasileiras, dificultando a execução de parcerias em projetos mais complexos. Esses preconceitos precisam ser deixados de lado para que essas instituições possam contribuir mais para o desenvolvimento do País. Quem sabe a emergência climática sirva de catalizador para uma mudança de mentalidade e outros sigam o que a Coppe vem fazendo com sucesso há 60 anos.

*Décio Fabrício Oddone da Costa é CEO da Enauta S.A e Coordenador do Grupo de Energia do Cebri. 

Publicado originalmente no Broadcast Energia

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