Pesquisadores da Coppe/UFRJ realizaram um estudo e encaminharam à Secretaria de Estado de Transportes do Rio de Janeiro (Setrans), com o intuito de contribuir para redução do contágio e da letalidade da Covid-19, tendo em vista a perspectiva de retomada das atividades econômicas. Entre as recomendações, está a necessidade de incentivos aos deslocamentos a pé ou por bicicleta bem como o aumento da frota de ônibus e barcas em circulação e redução dos intervalos de trens e metrô. Para garantir a sustentabilidade do efeito destas ações, o estudo também avalia que poderá ser necessário uma compensação financeira aos operadores de transportes, suportada por uma reestruturação financeira de todo o sistema de mobilidade da Região Metropolitana do Rio de Janeiro, já que tais medidas implicam custos que não serão normalmente cobertos pelas receitas tarifárias.
O estudo, realizado sob a coordenação dos professores Rômulo Orrico e Matheus Oliveira, do Programa de Engenharia de Transportes da Coppe, teve como premissa a garantia da saúde e segurança física dos cidadãos e trabalhadores, aprimorando as ações de distanciamento social e higienização dos ambientes, seguindo as recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS) e de outras instituições da área. Para tanto, os pesquisadores mostraram que é necessário uma adequação no ambiente físico dos principais veículos de média e alta capacidade, bem como a valorização da mobilidade ativa como uma alternativa eficiente, segura e resiliente para estes momentos. Eles entendem que tais medidas também sejam permanentes. Fazem parte da equipe, os pesquisadores Bruno Coelho, Gabriela Binatti, Ígor Maranhão, João Melo, José Paiva Neto, Júlia Fagundes, Mariana Carneiro, Priscila Carvalho, Ycaro Batalha e Dario Almeida.
O professor Romulo Orrico diz que é fato concreto que os veículos de transporte público estão entre os locais de maior potencial de transmissão da Covid-19. Por isso, considera fundamental que haja uma articulação governamental, de forma que secretários de transporte do estado do Rio e das prefeituras tenham como orientar os dirigentes dos operadores de transportes. Para ser uma ideia, a estimava é que, diariamente, mais de 1,4 milhão de pessoas se desloquem entre municípios, por ônibus e vans. Só no pico da manhã, de 7 às 8 horas, 543 mil passageiros são transportados por ônibus intermunicipais. Além disso, a totalidade das viagens em metrô e a maioria das viagens em trem são internas à cidade do Rio de Janeiro. Por isso, o professor da Coppe defende ações rápidas de forma integrada, como ocorreu em países como Alemanha, França e Coreia do Sul, que dependem de forte articulação horizontal, entre as diversas secretarias, e vertical, entre os municípios e o estado.
Como parte do estudo, os pesquisadores analisaram várias medidas adotadas no mundo para enfrentar esse problema, a partir boas práticas na mobilidade e de proteção. Eles verificaram que entre as mais utilizadas nas principais cidades estão a implementação de ciclovias e ciclofaixas emergenciais, melhoria dos cruzamentos em eixos mais movimentados, incluindo automação de sinais para pedestres – que antes eram por acionamento manual–, redução de áreas na via destinada a veículos, com o intuito de aumentar áreas para pedestres, e também a suspensão de tarifas no transporte público para todos ou para alguns segmentos específicos da sociedade.
Medidas de segurança para passageiros e funcionários do setor de transportes
Entre as medidas de proteção propostas no estudo estão a obrigatoriedade do uso de máscaras nos transportes e dentro dos terminais, isolamento do motorista dentro dos ônibus e medição de temperatura de todos os funcionários das empresas de transporte. Para garantir o uso de máscaras, os pesquisadores consideram a fiscalização como uma medida importante e que deve estar presentes nas plataformas de trens, metrô e BRTs, para assegurar que todos os usuários cumpram a regra. Já nos ônibus, sugerem criar instrumentos que confiram ao motorista autoridade para proibir o ingresso e permanência de pessoas sem máscaras no transporte, sendo respaldado pelos agentes de segurança quando necessário.
“Em diversas cidades do mundo, como Salvador, Vancouver (Canadá) e Skåne (Suécia), o distanciamento do motorista de ônibus também é garantido com barreira física em material plástico, isolando o assento do motorista, bem como com a proibição de uso de assentos próximos ao motorista, também isolados com fita e cartazes. Outra ação importante, para controlar a propagação do coronavírus, é a testagem e isolamento dos infectados. Como há dificuldade de realização de testes, a União Internacional de Transporte Público (UITP) propõe que se realize, ao menos, a aferição da temperatura dos funcionários que trabalham em contato com a população”, explica Romulo Orrico.
Os pesquisadores da Coppe alertam que é necessário que se tenha álcool em gel disponibilizado para todos, higienização e medidas de distanciamento no interior dos veículos e nas plataformas. De acordo com eles, é preciso sinalização dentro dos veículos, com demarcações alternadas e em diagonal, determinando os assentos a serem deixados vagos, conforme recomendações da UITP. Nos metrôs e trens, o correto é que tenha marcações no chão para passageiros em pé, respeitando a distância mínima de um metro. “Já nos ônibus, barcas e BRTs, jamais a permanência de pessoas em pé, e os pontos e plataformas de embarques também devem contar com sinalizações de distanciamento demarcadas no chão, mantendo distância mínima de um metro entre os usuários. Tais medidas foram implementadas em diversas cidades, a exemplo de Miami e Londres” diz Romulo Orrico.
Compensação financeira aos operadores de transportes pode ser necessário
Com relação a sustentabilidade financeira do sistema, a nota técnica do estudo constata a expressiva redução da demanda por transportes públicos, desde o dia 16 de março, quando escolas, espaços públicos, atividades de lazer, entre outros, foram fechados ou tiveram sua utilização não recomendada. A partir da constatação desta perda, os pesquisadores da Coppe avaliam que o setor levará um longo tempo para ter condições de restabelecimento, principalmente em função da queda de renda e emprego da população e, também, pela necessidade de respeitar espaços adequados entre os usuários de forma a evitar um forte e persistente surto dentro do sistema de transportes.
“Mesmo que as restrições à circulação fossem, imprudentemente, suspensas, a severa crise econômica decorrente da pandemia afetará de tal maneira a renda e os empregos da população, que muitos terão pouco orçamento para se permitir o nível de mobilidade do período pré-pandemia. A esses, somam-se aqueles que, por prudência, continuarão evitando deslocar-se, numa tentativa de evitar a propagação da infecção para si e para os outros. Por isso, a nota propõe algumas formas de compensação financeira aos operadores de transportes, que pode ser por etapas”, explica o professor Matheus Oliveira.
Dentre as propostas de apoio financeiro, a de imediato, para ser tomada dentro de 30 dias, está a implantação de instrumentos para suporte à liquidez, incluindo injeções de dinheiro por meio de subsídios condicionados à comprovação de real desequilíbrio, bem como de compromissos de garantia e melhoria dos serviços oferecidos. Também no período inicial, os pesquisadores da Coppe sugerem fornecer linhas de crédito de rápido desembolso, oferecendo empréstimos garantidos e com juros mais baixos para atender às necessidades de capital de giro no curto prazo.
Confira a nota técnica dos pesquisadores do Programa de Engenharia de Transportes da Coppe: https://bit.ly/COPPE-MOB-COVID