Uma discussão acalorada marcou o primeiro debate do Fórum Virtual “O Brasil após a pandemia”, promovido pela Coppe/UFRJ, neste domingo, 12/04. A discussão motivou a centenas de pessoas a participarem do debate virtual sobre “Política, Ciência e Tecnologia”, que foi transmitido pelo Facebook da Coppe e está disponível na página da instituição no YouTube. Os debatedores convidados, a reitora da UFRJ, professora Denise Pires de Carvalho, o ex-ministro Ciro Gomes (PDT-CE) e o deputado federal Alessandro Molon (PSB-RJ), defenderam a valorização das instituições públicas, o aumento dos investimentos em Ciência e Tecnologia, a retomada da capacidade do País de planejar um projeto de desenvolvimento nacional de longo prazo, e a adoção de um Green New Deal, a transição para uma economia mais sustentável e inclusiva.
Alessandro Molon destacou que a sociedade volta a perceber positivamente o papel da universidade pública, com o engajamento de seus pesquisadores no combate à pandemia. “Começamos 2020 vendo sucessivos ataques do governo às universidades. Achávamos que o ex-ministro (Ricardo Vélez) era o pior possível. Estávamos errados. O atual qualifica o trabalho universitário de balbúrdia. Houve tentativa de esvaziamento da Finep, perseguição aos bolsistas. Houve tentativa de fusão da Capes e do CNPq, uma medida tão absurda que praticamente todos os líderes de partidos na Câmara se colocaram contra.Tentam desvincular os fundos setoriais e na PEC do orçamento de guerra tentaram desvinculá-los novamente”, relembrou.
Na avaliação do deputado federal, o fundamentalismo fiscalista está emperrando o país e levando-o à desgraça. “Não há razão para que o governo não gaste o necessário para que cada cidadão fique sem assistência. Aprovamos o estado de calamidade, que já permitiria ao governo realizar gastos extraordinários, e o ministro Paulo Guedes insistiu por uma PEC (Proposta de Emenda à Constituição) desnecessária, inclusive em função da decisão do ministro (do STF) Alexandre de Moraes (que reforçava a legalidade de abrir créditos extraordinários), mesmo assim aprovamos esta PEC”, criticou.
“Voltaremos ao normal? Não devemos voltar ao normal e sim buscar um novo modo de viver, uma outra sociedade, outra forma de consumir, de distribuir riqueza. Nós do PSB, defendemos outra forma de mobilidade, de habitação, infraestrutura verde. Aquilo que os socialistas democráticos americanos como Bernie Sanders e Alexandria Ocasio-Cortez chamam de Green New Deal, mobilidade mais limpa, energia mais limpa, mais saneamento, moradia mais digna.Precisamos repensar o papel do Estado na economia. As inovações tecnológicas disruptivas são sempre de pesquisas bancadas pelo Estado. Nós investimos 1,2% do PIB em Ciência e Tecnologia, outros países como Israel investem 4%. Além disso, não basta investir mais, tem que ser um investimento estável”, defendeu Alessandro Molon.
Para mudar este cenário, Molon defendeu uma repactuação do país, começando por uma reforma tributária. “Nosso sistema tributário é vergonhosamente regressivo. Quem tem muito, tem que pagar muito. No mundo inteiro é assim. Não é possível que uma pessoa que ganhe 50 mil reais pague o mesmo imposto de renda, que uma que receba 8 mil reais, criticou o deputado federal que ao ser questionado a respeito do Imposto sobre Grandes Fortunas (IGF), previsto na Constituição Federal, disse que o estabelecimento de novas faixas de IR e tributação de lucros e dividendos são medidas com maior potencial de arrecadação do que o IGF.
Por um projeto de desenvolvimento nacional
Ex-ministro da Fazenda e da Integração Nacional, Ciro Gomes ponderou que mesmo em um cenário de tragédia, há que se tirar lições positivas. Como exemplo, Ciro disse acreditar que “essa modelagem de Estado reduzido, impotente, parece de uma vez por todas desmoralizada. Até o Financial Times publicou editorial pedindo o fim do neoliberalismo. O governo relutou em oferecer uma ajuda de 600 reais, que será por três meses e todos sabemos que será necessária por muito mais tempo. Parte relevante das medidas anunciadas é ‘vender o jantar para ter o almoço’, é antecipação de receita”.
“Somos o país que menos testa no mundo. Menos de 300 testes por milhão de habitantes. Não há nada parecido em termos de irresponsabilidade sanitária. Vemos carreatas de boçais pedindo fim do isolamento. Estamos levando o povo a discutir o uso de uma droga (cloroquina), propalado por um despreparado patológico, idiota completo”, criticou o ex-ministro, que pediu desculpas durante a live, pela “paixão” de suas palavras.
Para o presidenciável, é preciso aglutinar forças para um projeto nacional de desenvolvimento. “É preciso revisitar as potencialidades do país. Estabelecer prazos, metas. É convocar a inteligência brasileira. Parte significativa está na UFRJ, na Coppe. Sem xenofobia, sem isolacionismo, mas o projeto de desenvolvimento não é global, ele é nacional. Não há como enfrentar a pobreza sem gerar e distribuir renda. Temos uma taxa de poupança interna criminosamente baixa. Os recursos viriam daquilo que o país tem se negado a fazer. Como o Brasil é um de dois países do mundo que não cobram tributos de lucros e dividendos? Como este ano fazemos renúncia fiscal de 300 bilhões de reais sem contrapartida?”, questionou Ciro.
Segundo Ciro Gomes, o Brasil precisa fazer uma aposta central na ciência e tecnologia e usar o poder de compra governamental, incluindo a substituição de importações na indústria da saúde, o que é amparado pela Organização Mundial do Comércio, pelo status de país em desenvolvimento. “E o Bolsonaro prometeu ao Donald Trump abrir mão disso, provavelmente sem saber a consequência do que estava fazendo, porque ele é um despreparado. As poucas portas de saída que temos, como nação retardatária, estão sendo bloqueadas. A Embraer foi vendida pelo preço de um hotel, o Copacabana Palace. Nossa capacidade de refino de petróleo caiu para 30%. E a Confederação Nacional da Indústria e a Firjan batem palma a qualquer presidente que destrua nossa indústria”, criticou o ex-ministro.
O compromisso social da universidade pública
A reitora da UFRJ, Denise Pires de Carvalho fez uma defesa dos sistemas públicos de saúde e de educação. “A Medicina brasileira, ao contrário do que querem fazer crer, é de alta qualidade. O NHS (National Health Service, sistema público de saúde britânico), tido como melhor do mundo, atende 60 milhões de pessoas, o SUS atende 200 milhões. As universidades públicas estão mostrando seu compromisso social e agindo em conjunto. A capacidade dessas instituições de reagir de maneira estratégica está mostrando sua importância”, enfatizou.
A professora do Instituto de Biofísica Carlos Chagas Filho (IBCCF) defendeu que o pós-pandemia seja marcado pela retomada do investimento em ciência, tecnologia e inovação. “Isso passa por investimento em Educação em todos seus níveis. Não há antagonismo entre ensino superior e básico. É preciso investir na qualificação dos professores e valorizá-los. Escolas públicas capazes de pagar bons salários têm desempenho semelhante a escolas privadas. As universidades brasileiras são instituições de pesquisa e, portanto, requerem mais investimentos do que aquelas de formação profissional. O país da União Europeia que mais investe em tecnologia é a Alemanha, cujo modelo de universidade é semelhante ao nosso. Mas conta com mais recursos e é mais aberta às empresas. Para isso, a Emenda Constitucional do teto de gastos precisa cair”, explicou professora Denise.
A reitora informou que o Hospital Universitário Clementino Fraga Filho (HUCFF) oferecerá 150 leitos para tratamento da Covid-19, e a universidade está desenvolvendo mil ventiladores pulmonares para suprir a demanda de seu complexo hospitalar e colaborar com a rede pública. “Deveríamos ter tido apoio para isso há dez anos, não para enfrentar pandemias, mas para termos capacidade de produção nacional e não termos que importar insumos e equipamentos às pressas” reforçou.
Próximos debates
“Brasil após a pandemia” é uma série de encontros virtuais que tem como objetivo debater e discutir propostas e alternativas para o país superar os impactos decorrentes da pandemia causada pelo coronavírus. O público poderá assistir e participar do debate, ao vivo, com perguntas que serão encaminhadas aos debatedores no Facebook da Coppe.
A série de encontros conta com a mediação do professor Luiz Pinguelli Rosa, da Coppe, e os próximos temas serão: Indústria, Produção e Emprego (15/04); Saúde Pública, Cidades e Infraestrutura (19/04); Internet e Ética (22/04).
Programação
12/04: Política, Ciência e Tecnologia (já realizado):
Professora Denise Pires de Carvalho, reitora da UFRJ.
Ciro Gomes (PDT-CE), ex-ministro e ex-candidato à Presidência da República.
Alessandro Molon (PSB-RJ), deputado federal.
15/04: Indústria, Produção e Emprego:
Eduardo Moreira, escritor e economista.
Professor Márcio Pochmann (Unicamp), ex-presidente do Ipea.
19/04: Saúde Pública, Cidades e Infraestrutura:
Lígia Bahia, professora do Instituto de Estudos em Saúde Coletiva (IESC/UFRJ).
Ricardo Henriques, professor da UFF e ex-secretário da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade (Secad), do Ministério da Educação.
22/04: Internet e Ética:
Glenn Greenwald, jornalista do site The Intercept Brasil.
Pedro Dória, colunista do jornal “O Globo” e cofundador do Canal Meio.