O pesquisador Daniel Martins Silva e o professor Argimiro R. Secchi, ambos do Programa de Engenharia Química da Coppe/UFRJ, desenvolveram um modelo preditivo, capaz de estimar, com confiabilidade, a evolução da dinâmica epidemiológica da Covid-19. O estudo foi detalhado no artigo Recursive state and parameter estimation of COVID-19 circulating variants dynamics, publicado pela Scientific Reports, do grupo Nature, em setembro.
No artigo, os autores enfatizam que a resposta à pandemia de Covid-19 com intervenções não-farmacêuticas é intrinsecamente um problema de controle. “A mutabilidade do vírus Sars-CoV-2, cobertura vacinal e medidas de restrição de mobilidade mudam a dinâmica da epidemia ao longo do tempo”, diz o artigo. “Os governos calibram as medidas de distanciamento social para evitar sobrecarregar o sistema de saúde sem que o impacto econômico seja significativo”.
Assim, uma estratégia de controle baseada em modelagem matemática depende de previsões confiáveis para ser eficiente em longo prazo. Professor Argimiro Secchi e Daniel Silva propuseram um modelo matemático capaz de estimar casos subnotificados de Covid-19 de indivíduos hospitalizados ou mortos, comparando a fração de indivíduos sintomáticos que desenvolvem sintomas amenos ou graves, a fração de indivíduos que morrem e a taxa de letalidade da infecção. No artigo publicado foram apresentados os resultados dos estudos para seis estados: Rio de Janeiro, São Paulo, Amazonas, Mato Grosso do Sul, Rio Grande do Norte e Rio Grande do Sul.
Adicionalmente, o modelo – compartimental, considerado abrangente para detectar dinâmicas epidemiológicas em termos de transmissão, severidade da doença, e letalidade equivalente a estudos de eficácia vacinal – estimou dinâmicas de circulação das variantes. Assim, a conclusão do artigo é que o modelo é adequado para estratégias de controle, assumindo que os dados de hospitalização estejam disponíveis.
De acordo com Daniel, um modelo mais completo possível não seria factível para uso em tempo real e o objetivo é associar com a dinâmica real da doença. “O trade-off no caso da Covid é que você pode utilizar uma estratégia que tenha um custo computacional maior, que normalmente é inviável para a indústria, mas é viável no caso da epidemiologia pois seu tempo de amostragem é diário”.
“Além da própria necessidade de o país ter ferramentas para enfrentar a pandemia, outro fator que me motivou foi uma entrevista que vi na TV, de alguém da área da Saúde dizendo que não havia como prever a questão das variantes. As mutações podem ser identificadas pelo sequenciamento genético, que é deficitário no país. A variante Gama foi identificada primeiro no Japão do que no Brasil. É possível pela dinâmica identificar o surgimento de uma variante que prevalece, sem ser necessariamente pelo sequenciamento genético. Os parâmetros estimados indicam que esteja ocorrendo mutações do patógeno. É uma alternativa a partir dos dados e sem custo elevado”, explica o pesquisador da Coppe.
“Em Manaus, já havia indicação de aumento no número de leitos ocupados antes mesmo da falta de oxigênio. Então, se houvesse modelo que indicasse o surgimento de uma variante com maior letalidade, o governo já poderia ter adotado medidas antes que chegassem ao limite”, lamenta Daniel.
“A meta é ter um modelo preditivo, com estimadores de estado, que tenha a capacidade de prever o que vai acontecer no horizonte de algumas semanas, alguns meses. Conhecer a realidade plausível e fazer previsão em horizonte adequado (até aqui já atingida), gerar retroalimentação e conseguir dar instruções para a política de saúde, para tomar ações corretivas no presente, como distribuição de leitos, fechamento de estabelecimentos, ações que evitem o aumento de casos. As políticas de cada nível de governo de como enfrentar problemas de saúde pública, como lotação de hospitais, aglomeração de pessoas e espalhamento da contaminação, podem ser projetadas ponderando também o custo econômico”, avalia o professor Argimiro Secchi, coordenador do Laboratório de Desenvolvimento de Software para Otimização de Processos (Lades).
Estimativas confiáveis e custo computacional mais baixo
O modelo proposto foi do tipo SEIR (Suscetível, Exposto, Infectado, Removido), com a avaliação de três métodos de estimação de estados e parâmetros: o Filtro de Kalman Estendido com Restrição (CEKF), o Filtro de Kalman Estendido com Restrição e Suavização (CEKF&S) e o Estimador de Horizonte Móvel (MHE). Os modelos clássicos SIR (suscetíveis, infectados e removidos) supõem que a vacinação permita 100% de imunidade à reinfecção, uma presunção que foi contradita pela literatura médica recente.
O desempenho dos estimadores confirmou que o MHE é o método mais adequado para Covid-19 devido ao tempo de amostragem diário. No entanto, como explica Daniel, o Estimador de Horizonte Móvel tem tempo de execução e custo computacional mais elevado. O CEKF&S apresentou estimativas confiáveis por comparação, exigindo menos tempo para ser computada, o que a torna adequada para aplicações em tempo real.
O estudo avaliou dados de todos os estados. No artigo, foram escolhidos seis. “A percepção seria pegar os estados de maior densidade populacional e conectividade internacional, Rio de Janeiro e São Paulo, e os extremos territoriais, Rio Grande do Sul, Rio Grande do Norte, e Amazonas, que não é exatamente um extremo, mas entrou pela qualidade dos dados e pela questão da variante Gama. Mato Grosso do Sul entrou no estudo pela contiguidade com São Paulo e deste com o Rio de Janeiro”, esclarece Daniel.
“Um problema não do modelo proposto, mas de modelos em geral é que no começo da pandemia o período de incubação era de 5,2 dias. Com a variante Delta, as pesquisas estimam o seu valor em torno de 4,5 dias. Com a Ômicron, este período é estimado um pouco acima de 3 dias. A própria duração da doença variou. No começo da pandemia eram 14 dias, mas este período é inferior a 10 dias com a Ômicron. A doença foi evoluindo e a dinâmica também. Muitas análises sobre transmissibilidade e letalidade consideram valores constantes desde o começo, o que não condiz com a realidade. O ajuste fino é desafiador. Como padronizar, pois, efetivamente há estados em que a confiabilidade dos dados é muito maior”, avalia o aluno do Programa de Engenharia Química.
“Por que estamos abordando esse assunto que não é exatamente nossa área de pesquisa né?”, questiona-se Argimiro. “Nossa área é Engenharia de Sistemas de Processos, problemas de engenharia química associados à indústria química e bioquímica. No começo da pandemia todo mundo quis contribuir de alguma forma. Na Coppe, houve várias iniciativas com ventiladores pulmonares, desenvolvimento de vacina, testes rápidos, produção de álcool gel para a comunidade acadêmica, como nossa área poderia contribuir? No Lades, começamos com o desenvolvimento de uma metodologia baseada em imagem para detecção via Elisa de IgG Anti-Sars-CoV-2 para baixar ainda mais o custo dos testes rápidos produzidos pelo Lecc (laboratório coordenado pela professora Leda Castilho, também do PEQ). Queríamos participar mais”.
Segundo o professor Argimiro, orientador de Daniel em sua pesquisa de doutorado, o objetivo posterior é “criar um controlador preditivo multivariável para propor ações às políticas de mitigação da pandemia, reduzir aglomerações, retomar uso de máscaras, aumentar número de leitos. O artigo é uma etapa dessa pesquisa que será a tese de doutorado do Daniel”, conclui.